• 01 dez 2019

    Pontos para um balanço da crise revolucionária na Bolívia

O acerto da linha geral do Partido Operário Revolucionário da Bolívia (POR)

  1. Confirma-se a denúncia do POR, de que Evo Morales e os dirigentes do MAS usaram os camponeses e populares como “bucha de canhão” para negociar uma saída eleitoral à crise política. Evo revelou que orientou a bancada parlamentar do MAS, que tem a maioria no Senado e na Câmara de Deputados, a fazer um acordo com a direita opositora, e com o governo autoproclamado de Jeanine Áñez. O conteúdo desse acordo, segundo o próprio Evo, é o da “unidade e pacificação”. Não pretende, em suas próprias palavras, ser “revanchista”. Sobre a repressão, Evo lamenta, e se mostra esperançoso de que Áñez e seus capachos fascistizantes cheguem à consciência de que não se pode ter presos sem provas, e mais mortos e feridos. Um acordo sobre as eleições seria, portanto, o caminho para “reconciliar o povo boliviano”. No dia 23 de novembro, o Senado aprovou, por unanimidade, um projeto de lei que anula as eleições de 20 de outubro, e determina a realização de novas eleições gerais. Evo Morales e seu vice, Álvaro Garcia Linera, não poderão se candidatar. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) será remodelado, seguindo o acordo da bancada do MAS com a oposição. No dia seguinte, Áñez sancionou a lei. No momento em que se discutia o projeto, o MAS dissolvia os bloqueios de rua. Essa foi uma exigência de Áñez e da oposição direitista e ultradireitista. O impostor Evo Morales e a camarilha do MAS concluíram negociando um acordo eleitoral por cima dos mortos, feridos e presos. É imperativo assinalar a importância da denúncia do POR, de que a resistência montada pelo MAS objetivava restabelecer a convivência entre a velha e a nova direita.
  2. Confirma-se a caracterização do POR, de que Evo Morales foi derrubado pelo movimento de massa, que se levantou contra a fraude eleitoral. A mobilização, que começou por uma camada da classe média ganhou projeção nacional, com a incorporação de setores operários, camponeses e populares. O multitudinário movimento pôs em pé os cabildos abertos, organizações próprias das massas em luta. Nos comitês cívicos, organismos mais apropriados para a política burguesa, se abriram choques entre a direita contrarrevolucionária e o POR e a vanguarda com consciência de classe. Estabeleceu-se uma diferenciação entre os objetivos de poder da direita e ultradireita, que estiveram enfileiradas em torno à candidatura de Carlos Mesa, e os dos revolucionários marxista-leninista-trotskistas. Evo Morales se viu diante de um movimento democrático das massas, que exigiu a sua renúncia e novas eleições. O MAS não teve como mobilizar as camadas camponesas, operárias e populares, que ainda conservavam as ilusões no governo Evo, para sustentar a sua falcatrua eleitoral continuísta. De maneira que decidiu entregar o poder à oposição direitista, renunciando à presidência, e determinando a renúncia do governo como um todo. Os bandidos bateram à porta de entrada do Palácio Quemado, e Evo fugiu pela janela.
  3. Confirma-se a tese do POR, da impossibilidade do governo indigenista realizar profundas e verdadeiras reformas no capitalismo atrasado e semicolonial da Bolívia. Tese essa que corresponde ao caráter contrarrevolucionário do reformismo na época imperialista. A experiência particular em solo boliviano demonstrou que o reformismo conclui reforçando os laços imperialistas da opressão nacional, e contrapondo-se às tarefas democráticas pendentes, como a revolução agrária, autodeterminação das nações indígenas, fim da discriminação e independência nacional. A derrocada do governo e do MAS foi prevista pelo POR, que submeteu o nacionalismo burguês a uma severa crítica marxista, principalmente na Revolução de 1952. A máscara do “indigenismo socialista” não fez senão cobrir a retomada do nacionalismo burguês, na forma caricatural. Já na crise política que concluiu com a queda do governo de Sánchez Losada, em 2003, o POR combateu a posição de Evo Morales, que serviu à burguesia e ao imperialismo, para restabelecer a governabilidade, e bloquear a continuidade do movimento revolucionário. Nas eleições de 2005, que, finalmente, colocaram Evo e o MAS na presidência, o POR caracterizou que seria um governo submetido à grande propriedade privada dos meios de produção e às multinacionais. Os trotskistas expuseram, para os operários, camponeses e populares, que as “nacionalizações” do petróleo e gás não passavam de um embuste. A diretriz de Evo e do MAS, de tornar o capital imperialista em “sócio” do povo boliviano, era suficiente para evidenciar o seu servilismo. A Constituição Plurinacional, que daria um lugar ao sol à maioria indígena, tão somente criava a ilusão sobre a possibilidade de civilizar o capitalismo atrasado, fundado no domínio latifundiário sobre os camponeses, e no saque imperialista. O embate entre os reformistas e a direita, em torno à Constituinte e à Constituição, que chegou ao ponto da oligarquia ameaçar com o desmembramento do país, sob a bandeira do separatismo, concluiu em conciliação. Não só estaria assegurado o regime econômico burguês da grande propriedade, como também os interesses particulares da oligarquia. O POR combateu as ilusões despertadas nas massas indígenas, e enfrentou, com o programa da revolução proletária, a farsa burguesa, que mantinha a maioria oprimida submetida à minoria opressora. A direita burguesa pôde hibernar, sob a política de conciliação de classes, que confundia e obstaculizava a luta de classes. Era questão de tempo para que o governo nacional-reformista expusesse sua impotência, e se desintegrasse. O POR demonstrou, passo a passo, o processo de adaptação do governo indigenista à oligarquia e ao imperialismo, que o levaria a se chocar constantemente com os diversos setores dos explorados e oprimidos. Os marxista-leninista-trotskistas bolivianos foram adversários implacáveis do governo Evo, e de toda política burguesa. Eis por que, na atual crise, o POR tomou parte do levante das massas contra o governo impostor, lutando no seu interior contra as forças da direita burguesa.
  4. Confirmada a justeza da linha política geral do POR, que levantou a estratégia própria dos explorados, sob a bandeira do governo operário e camponês. A bandeira democrática, circunstancial, de “Nem Evo, nem Mesa e nem o fascista Camacho”, esteve condicionada pela estratégia revolucionária do proletariado. Interveio no movimento e nos cabildos com o método da luta de classes, e com a defesa das reivindicações dos vários setores oprimidos, que levavam à unificação da luta contra o governo, a oposição direitista, a burguesia e o imperialismo. Foi e é importante a consigna de independência política e organizativa dos explorados, diante do Estado e de todas as variantes da política burguesa. A separação e oposição das deliberações dos cabildos, influenciados pela política do POR, diante dos comitês cívicos, controlados pela direita e ultradireita, entre os quais se destacou o Comitê Cívico de Santa Cruz, foram determinantes para demarcar o campo da independência de classe. O Cabildo Nacional, que se realizou em La Paz, estabeleceu a linha divisória com a ação dos direitistas, bem como abriu caminho para projetar a política do proletariado. É nessas condições que o POR rechaçou o palavreado sobre a “democracia”. Saiu em defesa dos direitos e liberdades democráticas, que, por expressarem as necessidades da maioria do povo boliviano, se opôs à democracia burguesa, que serve de instrumento para a minoria capitalista oprimir a maioria explorada.
  5. Confirma-se a posição do POR, de que a tarefa era a de unir os explorados para enfrentar o autoproclamado governo de transição de Jeanine Áñez. Ao mesmo tempo, era preciso alertar os camponeses e as bases populares de que sua fúria, diante do governo direitista e das provocações de Camacho, poderia ser utilizada pelo MAS, que necessitava garantir seu lugar nas novas eleições. O POR assinala que o governo de Áñez se apoiava nas Forças Armadas, e que justificaria a sua intervenção em nome do restabelecimento da ordem. A tarefa nesta situação era a de manter organizado o movimento que depôs o governo Evo, sob a política de independência de classe e do objetivo estratégico da luta por um governo dos operários, camponeses e de todos os oprimidos, baseado nos organismos de poder, por meio dos quais as massas realizavam a democracia direta. A continuidade dos combates se dirigiria contra o grande capital e as multinacionais. Os novos embates se voltariam contra o governo que usurpou o movimento das massas, para garantir os interesses da oligarquia latifundiária e do imperialismo. Essa mesma luta deveria continuar, diante de qualquer governo que saísse das eleições. Por meio das eleições, somente se instalaria um governo antioperário e antipopular, que descarregará a crise econômica sobre a maioria oprimida. Os massacres de Sacaba e Senkata comprovaram o alerta do POR. O MAS não ergueu um movimento para derrotar o denunciado golpe “cívico-militar-policial”, mas sim para negociar o estancamento da crise revolucionária, anulando o pleito de 20 de outubro, e convocando novas eleições. A luta verdadeira contra o governo da oligarquia, representada na figura de Áñez, somente poderia se dar por meio da política do proletariado.

 

Algumas considerações desenvolvidas pelo POR do Brasil

  1. Os cinco pontos acima expostos nortearam a defesa pelo POR-Brasil da linha geral encarnada pela seção boliviana. Em torno aos acontecimentos que levaram à derrocada do governo Evo e à constituição do governo de transição de Jeanine Áñez, se estabeleceu uma grande discussão entre as esquerdas, sobre caracterizações e respostas. O nó górdio surgiu na explicação se o governo Evo foi deposto por um golpe de Estado ou se caiu diante do levante popular. No fundo da divergência, estão as posições sobre a luta pela derrubada ou manutenção do governo do MAS. A caracterização oportunista de golpe esconde essa obrigatória conclusão. As esquerdas em geral, que percorrem o espectro do reformismo ao centrismo mais radical, assumiram a versão de Evo Morales, de que sua renúncia foi causada por um golpe. Uma parte das esquerdas mais afoita correu a dizer que o POR-Bolívia havia se aliado à direita. Assim, aproveitava-se da tese do golpe para condenar a única força que interveio na crise revolucionária em contraposição aos objetivos da direita e da ultradireita, desenvolvendo a estratégia, a tática e os métodos de luta do proletariado no interior do movimento democrático das massas. Unanimemente, negaram-se a reconhecer a composição popular da contestação a Evo Morales, desencadeada logo após a apresentação dos resultados do escrutínio. Não se deram ao trabalho de analisar as posições políticas e a prática dos poristas. A conclusão prática da caracterização de golpe, obrigatoriamente, leva os oportunistas a defenderem a volta de Evo ao governo, ainda que não digam com todas as letras ou omitam a conclusão. De nossa parte, como seção do Comitê de Enlace, concentramos a atenção em alcançar uma compreensão própria dos acontecimentos, única forma de não repetir mecanicamente o acerto da linha geral da seção boliviana. O nosso embate com os reformistas e centristas, antigos adversários do POR boliviano, foi decorrência dessa compreensão própria. Na medida em que ampliávamos as explicações, mais convencidos ficávamos do acerto da seção boliviana. Isso por que nos aproximávamos de suas formulações e respostas concretas.
  2. A decomposição da política do nacional-reformismo e a ofensiva da direita francamente pró-imperialista tendem a se converter em crise política. Isso por que a divisão interburguesa provoca rupturas na governabilidade. Há momentos em que a situação econômica e a luta de classes permitem a diminuição dos atritos entre os partidos da ordem capitalista, que de alguma forma se processam sobre a base de interesses particulares das distintas frações da burguesia. Os acordos e a convivência, mais ou menos pacíficos, entre governo e oposição, facilitam a estabilidade política por um determinado período. É preciso, como assinalamos, que a economia favoreça os interesses gerais da burguesia, podendo assim acomodar os seus interesses particulares. É do interesse das distintas frações que se preserve a estabilidade política, sob a qual se criam melhores condições para sufocar e controlar os instintos de revolta da classe operária e demais oprimidos. Ocorre que a situação política mais estável, menos estável, ou convulsiva, é determinada pela base econômica e pela luta de classes. As divisões e as rupturas interburguesas não são criações de uma mente teórica, resultam dos choques entre as forças produtivas e as relações de produção capitalistas. Em situação como essa, a classe operária e demais explorados se vêm obrigados a se defenderem das brutais consequências da crise econômica. São inúmeros os exemplos de crise revolucionária, em que se evidenciam a combinação da divisão interburguesa e o recrudescimento da luta de classes. A crise na Bolívia é mais um desses exemplos.
  3. Observamos que, esgotado o período do crescimento econômico e iniciado o descenso, o governo Evo já não podia garantir a aliança tácita, que se constituiu após o fim dos embates em torno à Constituinte e à Constituição. Não havia, por outro lado, como sustentar a falácia do Estado Plurinacional e as promessas de criar melhores condições para os pequenos e médios camponeses, convivendo com a oligarquia latifundiária e agroindustrial. A tentativa de compor os interesses dos camponeses e indígenas com os da agroindústria estava fadada ao fracasso, e a se converter em crise política. É nesse mesmo quadro que o embuste da nacionalização dos recursos naturais desembocaria em proteção às multinacionais. O que foi se tornando cada vez mais visível e patente, aos olhos da população sofrida. Por cima, o imperialismo se colocou em posição de complacência ao “socialismo” indígena. Tudo indica que Evo procurou se aproximar de setores socialdemocratas do imperialismo europeu. O que não excluiu a simpatia de democratas norte-americanos. A oposição burguesa direitista, que cedeu lugar ao MAS, após os levantes de 2003, não conseguiu levar adiante um tipo de federalismo separatista, sobre o qual se reuniu a mais poderosa oligarquia no movimento da denominada “Meia Lua”. As condições econômicas favoráveis aos seus negócios e a disposição do governo Evo de apoiá-los levaram a uma certa acomodação da direita oposicionista, que parecia ter sido quase varrida. Eleitoralmente, a oposição perdeu importância. É o que se depreende da derrota esmagadora sofrida nas eleições de 2009 e 2014. A derrota de Evo no referendo de fevereiro de 2016, que lhe negou o direito a se candidatar para um quarto mandato, porém, indicou uma mudança entre a maioria explorada, que perdia confiança no palavreado de Evo, e assim se tornava suscetível às pressões da oposição. O fato do presidente ter pisoteado a soberania da decisão popular do referendo e, assim, se lançar ao quarto mandato, ampliou a desconfiança das massas e abriu caminho para oposição se potenciar. A divisão interburguesa pelo controle da governabilidade recrudesceu. Os marxistas sabem que, em qualquer que seja a eleição, as massas se movem sob a pressão da política burguesa. Concretamente, passaram a refletir, no terreno da disputa interburguesa, um deslocamento de parcelas crescentes que seguiam o caudilho Evo. O enfrentamento eleitoral em outubro foi distinto das eleições anteriores. Evo ganhou por uma margem pequena, e teve de fraudar o escrutínio, para evitar um segundo turno. Com fraude ou sem fraude, o fundamental é que o declínio eleitoral de Evo serviu de termômetro para marcar o grande descontentamento da população. É nesse quadro de disputa interburguesa pela governabilidade que explodiu o movimento que se espalharia por todo o país.
  4. Não se pode perder de vista as particularidades da presente crise revolucionária. O governo Evo surgiu como um fenômeno novo. Pela primeira vez, a Bolívia contou com um presidente da República oriundo dos camponeses e das nacionalidades oprimidas. O que evidenciou a debilidade da burguesia em relação às massas camponesas e indígenas, que formam a maioria. A classe operária é ultraminoritária. A pouca industrialização expressa o atraso das forças produtivas e, consequentemente, o raquitismo do proletariado. A sua camada avançada, tanto em concentração, quanto em politização, é a dos mineiros, que se acha desfigurada pelas novas condições de exploração da indústria extrativista. A particularidade do governo Evo está em que se apoiou, tanto no campesinato, quanto na velha e na nova oligarquia agroindustrial. Ou seja, procurou firmar a governabilidade no peso social do campesinato e no peso econômico da oligarquia. O equilíbrio da governabilidade dependia, portanto, da composição de interesses da pequena e média propriedade camponesa com a grande propriedade burguesa. O que incluía a difícil questão indígena. Guillermo Lora, dirigente do POR, expôs as contradições de classe originadas do desenvolvimento desigual e combinado do país, ao evidenciar a característica da população indígena como nação-classe. Em outras palavras, os indígenas ocupam um lugar nas relações capitalistas de produção, em que, na condição de camponeses, principalmente, são oprimidos pela oligarquia burguesa, que, por sua vez, sempre esteve submetida aos colonialistas e imperialistas. Evo constituiu um governo pequeno-burguês, assentado nessas insolúveis contradições nos marcos do capitalismo. Para cumprir as verdadeiras reformas, teria de conduzir uma revolução agrária, e estabelecer a real independência nacional. Somente assim, iniciaria um processo de transformação em que a questão das nacionalidades índias seria, de fato, resolvida. A dependência do governo pequeno-burguês à oligarquia e a inevitável submissão ao capital imperialista levariam ao esgotamento e à crise revolucionária, nas condições econômicas adversas. Observando, ao longo dos quase 14 anos de governo, constata-se que ocorreram crises, nas quais transpareceram a debilidade de um governo apoiado nas massas camponesas e na oligarquia. O choque com as bases indígenas tomou enormes proporções, quando Evo colocou seu governo a serviço dos agroindustriais, que pleitearam a construção de uma rodovia, que cortava o Parque Nacional Isiboro-Sécure Tipnis, em 2012. As inúmeras marchas puseram às claras que Evo governava para a burguesia, e não para a maioria nacional oprimida. A crise revolucionária que levou à derrocada do governo Evo, sob ampla mobilização nacional, decorre, em grande medida, do esgotamento do governo, que procurou se colocar por cima das massas camponesas e da oligarquia burguesa, e que pretendeu compatibilizar interesses de classe contraditórios.
  5. A luta de classes comparece como um fator determinante em qualquer crise de governabilidade. Evo vinha sendo acossado por movimentos setoriais. Manifestações de camponeses, greves de professores, médicos, operários fabris, transportes coletivos, etc. se chocavam com a política econômica do governo. O corporativismo das reivindicações enclausurou os inúmeros movimentos, mesmo assim ganharam projeção nacional. Para atender aos interesses da burguesia e do imperialismo, nas condições de retomada do declínio econômico, Evo teve, não só de contrariar os interesses de importantes parcelas de camponeses, como atacar setores da classe média urbana. As greves dos operários fabris e os conflitos entre os mineiros cooperados e assalariados completam a situação convulsiva, que foi se potenciando no último período do governo. O descontentamento, que se generalizou, e a agudização da luta de classes estiveram na base da crise revolucionária. Ocorre que se expressaram na disputa interburguesa, em torno ao continuísmo ou mudança na governabilidade. A fração mais poderosa da oligarquia, cuja maior capacidade econômica se encontra no Oriente do país, principalmente em Santa Cruz, se potenciou politicamente, à custa do esgotamento do governo MAS. Estava rompida a aliança tácita, que possibilitou a governabilidade de Evo por mais de uma década. O imperialismo necessita de um governo que enfrente a pressão das massas, para impulsionar o agronegócio e a mineração, principalmente. A Bolívia tem de seguir o curso das contrarreformas, ditadas pelas diretrizes mundiais do grande capital. A direita burguesa, que, por sua natureza de classe, é golpista, determinada pelo atraso econômico do país, encontrou, no deslocamento de parcelas crescentes das massas do controle do MAS, a oportunidade para resolver o conflito de governabilidade, pela via das eleições. A crise, que vinha sendo gestada, desaguou na disputa eleitoral. A reivindicação do movimento, para que Evo renunciasse e que fossem convocadas novas eleições, se deu no terreno democrático-burguês. Expressava, nesse sentido, a divisão interburguesa pelo controle da direção do Estado. Essa divisão se expressará entre as massas na forma de divisão da maioria oprimida. Primeiro, na forma de disputa eleitoral. Segundo, na ofensiva de um movimento de massa pela renúncia de Evo. Terceiro, na resistência de um movimento camponês e popular pelo retorno de Evo. Essa constatação se evidenciará, incontestavelmente, na revolta de camponeses e de camadas populares, diante da fisionomia oligárquica do autoproclamado governo, e da provocação da direita fascista de queimar a bandeira indígena (Wiphala). A necessidade de Áñez lançar o exército e a polícia contra os bloqueios, que começaram a atingir o abastecimento, confirma a permanência de ilusões no governo Evo no seio da maioria oprimida. A negociação entre o governo usurpador e o MAS, para estancar a crise revolucionária, demonstra a fragilidade da burguesia em excluir o MAS para restabelecer a governabilidade. O governo Evo deu todas as provas de que o MAS se transformou em uma aparato a serviço da contenção da luta de classes. A direita e a nova direita, assim denominada pelo POR boliviano, deram às mãos para canalizar o descontentamento generalizado dos explorados para a constituição de um novo governo burguês.
  6. Configurou-se a crise revolucionária, no momento em que se ergueu o movimento de massas contra o governo, exigindo sua renúncia. A concretização desse objetivo, a posse do comando do Estado pela oposição, e o recuo do movimento de massas não concluíram a divisão interburguesa. O que manteve aberta a crise revolucionária. A resistência dos camponeses e populares ao governo transitório de Áñez, e a repressão militar e policial agravaram a crise revolucionária. O decreto, que autoriza o aparato repressivo a matar manifestantes, representou a disposição dos novos ocupantes do Palácio Quemado de sufocar a sangue a resistência. A direita no poder não precisou recorrer ao movimento anti-Evo. Não precisou utilizar a divisão estabelecida entre os explorados. Bastaram os instrumentos da ditadura de classe da burguesia, que conformam o Estado. É necessário denunciar o fato de Evo ter destinado enormes recursos ao fortalecimento das Forças Armadas, com o claro objetivo de tê-las ao seu lado. O problema estava em que a continuidade da resistência e o aumento da repressão poderiam levar longe a crise revolucionária. Não só a direita sentiu o perigo, como também o próprio Evo e seu partido. Os organismos do imperialismo (OEA, UE, ONU, Igreja) atuaram rapidamente para estabelecer um acordo de “pacificação”, como havia defendido Evo. Haveria de amortecer a divisão interburguesa, e desativar a resistência. A crise revolucionária não saiu do âmbito da disputa interburguesa e da democracia formal. Distintamente seria, se as massas colocassem em risco a integridade do Estado burguês. A crise revolucionária, circunscrita à troca de um governo burguês por outro, é resolvida pelos métodos das forças burguesas. Os acontecimentos confirmam que não havia como resolvê-la em favor da maioria oprimida por meio da revolução proletária. Sem que a classe operária estivesse à frente das manifestações, não era possível romper a divisão estabelecida no seio da maioria oprimida. A bandeira democrática de renúncia e de novas eleições, assumida pelas massas, servia e, de fato, serviu à oposição direitista, que se valeu do ódio despertado nos manifestantes diante da violação da contagem dos votos. O sentimento democrático da população não pode ser confundido com os objetivos antidemocráticos da direita opositora. No entanto, as condições políticas e sociais em que se desenvolveu o conflito possibilitaram a confusão, que foi manejada por Camacho e aliados. A bandeira do POR “Nem Evo, Nem Mesa, Nem o fascista Camacho” não constituiu uma consigna de poder. Seu conteúdo tão-somente expressou o sentimento de uma fração do movimento. Serviu, circunstancialmente, para o POR rechaçar o governo e a oposição. A consigna de poder foi e é o governo operário e camponês. A crise revolucionária coloca a questão do poder. No caso, condicionada pela divisão interburguesa. A bandeira de “Nem Evo, Nem Mesa, nem o fascista Camacho” serviu para o POR responder concretamente ao sentimento democrático das massas e alertá-las do perigo de potenciar a direita reacionária. A bandeira de governo operário e camponês compareceu como propaganda revolucionária. O que obrigava ao POR explicá-la e defendê-la ostensivamente. Colocada a questão de poder, oriunda da quebra da governabilidade, estabelecem-se a via contrarrevolucionária da burguesia e a revolucionária do proletariado. Somente encarnando, na luta concreta, o seu programa, seriam colocadas na ordem do dia as tarefas democráticas pendentes, e a necessidade objetiva das massas de se unirem em torno da aliança operária-camponesa. O POR boliviano expressou o programa e a política de independência de classe do proletariado. No entanto, não teve como transformá-lo em ação das massas contra o governo decrépito de Evo, e o governo usurpador de Áñez.
  7. As eleições e a constituição de um novo governo não fecharão as rachaduras na política burguesa, que se abriram ou que se alargaram na crise revolucionária. As massas não contarão com benevolências dos seus opressores. Os sinais de que há uma retomada da crise mundial vêm alertando os próprios organismos do imperialismo. Retardou um pouco, mas a crise aberta em 2008 arrastou a América Latina. A avaliação de que a economia boliviana foi quase uma exceção, atingindo uma média de crescimento aproximada de 5% do PIB, não assegura a continuidade. A desaceleração do crescimento é sentida pelas massas. A luta por reunir a maioria oprimida em torno à política do proletariado terá de considerar a divisão que se manifestou no processo da crise revolucionária.