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01 jul 2020
Os explorados são os que pagam pelas crises sanitária e econômica
Organizar a classe operária como força motriz da luta contra o desemprego, subemprego, pobreza, miséria e fome
Defender sistematicamente a estratégia da revolução e ditadura proletárias
1 de julho de 2020
Os efeitos das crises sanitária e econômica têm sido violentos. O desemprego, subemprego e informalidade atingiram picos históricos. A pobreza e miséria arrastaram contingentes enormes da população. A distância entre a ultraminoria rica e as massas empobrecidas se ampliou. Os desequilíbrios regionais vieram à luz do dia, expondo as contradições próprias de um País, que esteve imerso, por mais de três séculos, no escravismo colonial, e que mantém regiões onde as relações pré-capitalistas de produção ainda são acentuadas. A pandemia veio, assim, acelerar a débil situação do País e dos explorados, golpeados, desde 2008, pela crise econômica mundial.
A recessão de 2015 e 2016, que levou ao golpe de Estado, não foi acompanhada de crescimento econômico nos anos seguintes. O baixo desempenho da economia não permitiu recuperar os milhões de postos de trabalho destruídos. As contrarreformas, entre elas a trabalhista, em 2017, e a previdenciária, em 2019, puseram por terra as justificativas da burguesia e governos, de que haveria um aumento de investimentos e, com isso, mais oferta de empregos. Ao contrário, os empregos se tornaram mais precários, e a informalidade deu um salto.
A recuperação econômica esbarrou com a permanência da crise mundial, agravando a condição do país exportador de matérias-primas (commodities), com a queda dos preços internacionais. Fato que foi potenciado com os problemas semelhantes vividos pelos países vizinhos, da América Latina. Os indicadores mostravam, também, o descenso econômico, aumento do endividamento, e crescimento da informalidade em todo o continente. No período que se permitiu a elevação do PIB em quase todos os países latino-americanos, também se assistiu o inchaço do denominado setor terciário. Boa parte dos empregos criados se concentrou no comércio, serviços, e por conta própria. Os empregos formais na indústria foram extremamente baixos, 0,8% e, na agricultura, a tendência continuou em queda, -1%. Como se vê, a pandemia se potenciou no continente, já debilitado econômico e socialmente.
As estimativas da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) afirmam que a contração econômica poderá ser em torno de 5,3% do PIB regional. O que significa que as taxas de desemprego poderão alcançar 11,5%, no final de 2020, dependendo do maior ou menor isolamento social, e retorno das atividades econômicas. Em relação à taxa de pobreza, assinala que pode aumentar 4,4%, e a pobreza extrema, 2,6%, em relação a 2019. Isso representa 214,7 milhões da população latino-americana, que estariam na pobreza, e 83,4 milhões, na pobreza extrema.
No caso do Brasil, nos três meses de pandemia (março, abril e maio), dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), IBGE, mostram que 7,8 milhões de trabalhadores perderam os empregos. Apontam que, pela primeira vez, desde que iniciaram a pesquisa em 2012, mais da metade da população em idade de trabalhar está sem nenhuma ocupação. Isso quer dizer que são 87,7 milhões que estão sem emprego, levando em conta os chamados “desalentados”, até os estudantes, todos aptos ao trabalho. Assim, a população ocupada caiu para 85,9 milhões. A situação ainda é pior, quando se depara com a destruição de 2,5 milhões de empregos formais. Até mesmo o trabalho informal foi golpeado. São 5,8 milhões de trabalhadores informais que perderam sua ocupação, durante esses meses de pandemia. Trata-se de um contingente que depende diretamente do retorno das atividades econômicas. Apesar da retomada do comércio e serviços, e da volta dos ambulantes (vendedores nas ruas), não está assegurada a “normalidade” a essa massa de trabalhadores, que tende a crescer, porque as demissões continuam em alta.
Os governos latino-americanos seguiram, em grande medida, as mesmas orientações diante da crise sanitária: proteger os capitalistas, e disponibilizar para uma parcela da população, os denominados “vulneráveis”, um auxílio emergencial a conta-gotas. Seguindo as orientações da OMS e da OIT, organismos conduzidos pela burguesia imperialista, os países deveriam implementar três ações: 1) “proteção dos trabalhadores nos locais de trabalho”, que pressupõe a criação de turnos e horários escalonados, trabalho a distância, afastamento dos atingidos pela enfermidade; 2) “política de apoio ao emprego e salários”, que diz respeito aos acordos de redução da jornada e salário, e ao auxílio emergencial aos trabalhadores informais; 3) “política de fomento da atividade econômica”, que implica subsídios e prorrogação de pagamentos de tributos por parte dos empresários.
O problema é que os países latino-americanos não possuem os recursos fiscais, o endividamento público é gigantesco, os juros da dívida são elevados e, com o isolamento social, caiu a arrecadação. Por outro lado, somente Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Uruguai contavam, em 2019, com o seguro-desemprego, para ser usado pelo trabalhador com carteira assinada, no caso de demissões ou de redução salarial (a exemplo do Brasil). E o sistema de saúde pública, por sua vez, é extremamente precário, o que impediu e impede o acesso da população pobre, no caso de contágio. Não por acaso, cresce assustadoramente o número de mortes em todo o Continente, a exemplo do Brasil, com quase 70 mil mortes.
No Brasil, o governo impôs a Medida Provisória 936, que autoriza os capitalistas a suspenderem contratos e reduzirem salários. Parte dos salários é paga pelo patrão, e parte retirada do seguro-desemprego. Decretou o auxílio emergencial de R$ 600,00, em três parcelas, e prorrogáveis por mais duas, aos informais. Um contingente significativo de assalariados foi colocado no trabalho remoto (teletrabalho). Aos docentes (públicos e privados), foi imposto o ensino a distância (EaD). Os empresários, em particular as multinacionais, procuraram seguir as orientações de revezamento dos trabalhadores, distanciamento nos locais de trabalho, medição de temperatura e uso de máscara e álcool. E, em pouco tempo, exigiram o fim do isolamento social e a retomada das atividades. Nesse momento, com a flexibilização da quarentena, há quase “normalidade” nas capitais e grandes cidades, embora o número de contagiados e mortes não pare de crescer. Permanece em isolamento a parcela ligada à educação, porém, com data de retorno às aulas. O sistema privado de educação pressiona os governos a colocarem fim à quarentena.
Em alguns países da América Latina, antes da pandemia, já estavam sendo criadas normas para o teletrabalho de forma permanente. A exemplo do Chile, que aprovou a Lei 21220, que alterou o Código de Trabalho, permitindo essa modalidade de prestação de serviços. No Brasil, foi aprovada a reforma trabalhista, que legaliza o trabalho a distância. Em países onde ainda não houve lei específica, os governos têm emitido normas para o trabalho a distância, em caráter excecional. É o caso do Paraguai, que durante a pandemia criou essa modalidade para as empresas públicas e privadas (Lei 6524). E do Equador, que instituiu o “teletrabalho emergente”. Certamente, pós-pandemia, o trabalho remoto e o ensino a distância vão se consolidar, e poderão ser ampliados.
O relatório da CEPAL e Pnad Contínua do IBGE demonstra que o capitalismo se decompõe, e a maioria oprimida sofre as brutais consequências. Os governos aplicam medidas que descarregam todo peso da crise sobre a classe operária e demais explorados, protegendo o grande capital nacional e internacional. Porta-vozes dos organismos internacionais pedem cuidado com a situação social, que empurra milhões para o precipício da fome. São mais um alerta à burguesia e seus governos sobre o perigo dos levantes operários, camponeses e populares, já prenunciados em vários países da América Latina. Não se sabe até quando, e até que ponto, a burocracia sindical e os partidos que se vestem de reformistas conseguirão conter o dique que barra as tendências mais profundas de revolta das massas. O exemplo do Chile ainda assusta os governantes.
A pandemia, embora não tenha provocado a crise econômica, potenciou as contradições entre as forças produtivas e as relações de produção. A destruição maciça de força de trabalho, e a persistência da queda econômica, põem, aos olhos da classe operária, a incapacidade da burguesia de encontrar um caminho de solução à barbárie, que avança livremente. Ao mesmo tempo, exigem que se lancem à luta, e superem as suas direções conciliadoras e traidoras. A crise política favorece a luta independente da classe operária, uma vez que expressa as divisões interburguesas, e desintegração de seus governos.
Essas condições, em que se combinam várias crises interligadas, estabelecem as bases para que a classe operária tome a frente dos movimentos de massa. Esse é o ponto fundamental do momento. O proletariado é a única classe capaz de levantar um programa e uma estratégia própria de poder. A pequena burguesia, cada vez mais arruinada, não tem como expressar a política de independência de classe. Uma de suas camadas mais avançada tende a convergir com o proletariado. O futuro de suas reivindicações depende dessa convergência. Uma outra camada, atingida pelo desespero, tende a encontrar solução na política ultradireitista e fascistizante de um setor da burguesia. As forças da reação serão contidas e derrotadas, se a classe operária se emancipar da política de conciliação de classes, e se colocar como direção da maioria oprimida. Isso se passa, não só no Brasil, que tem à sua frente um governo militarista, e que conta com o apoio da camada pequeno-burguesa fascistizante, mas em toda a América Latina, com maior menor clareza. É uma ilusão pequeno-burguesa a posição de que a tarefa é a de salvar a democracia e colocá-la a serviço dos explorados. Ocorre que esse pressuposto desconhece o avançado estado de desintegração das forças produtivas, do agigantamento do parasitismo financeiro, e da incapacidade da burguesia de sustentar sua própria democracia. E não reconhece a classe operária como a única classe capaz de levantar o programa e a estratégia revolucionárias. Está aí por que não admite que o problema fundamental da situação se encontra no bloqueio da classe operária, cujos organismos se acham controlados pelas direções conciliadoras e traidoras.
O ambiente da profunda crise incentiva a apresentação e demonstração de dados estarrecedores, como os divulgados pela Cepal e IBGE. São manejados, não só pelos politiqueiros da burguesia, como pela plêiade de reformistas e centristas, que se reivindicam do socialismo. A conclusão dos burgueses é a de que os governantes têm de se unir em torno a um plano econômico pós-pandemia; e os pequeno-burgueses de esquerda pensam que se trata de trocar um governo burguês fascistizante por um governo burguês mais democrático. Há quem diga com todas as letras seu pensamento, outros o ocultam sob a máscara do revolucionarismo. Um fato que chamou atenção foi o ataque dos bolsonaristas à bandeira da ditadura do proletariado, erguida pelo POR, sua condenação pelos liberais, e, surpreendentemente, sua reprovação pelas esquerdas, que advogam que o momento é o de unir forças em torno do impeachment e do “Fora Bolsonaro”.
Não há dúvida de que a classe operária se erguerá contra a burguesia e seu governo a partir de suas reivindicações mais sentidas, como a defesa dos empregos, salários e saúde. A burocracia sindical e seus seguidores de esquerda trabalham no sentido contrário. Acabam de submeter os explorados à MP 936, e ao miserável auxílio emergencial de R$ 600,00. Estão calados diante das demissões em massa. Nada fazem contra o fechamento de fábricas. Não mexem um dedo contra o sistema privado de saúde, que mostrou ser o grande obstáculo à defesa dos pobres e miseráveis, atingidos pela pandemia. A tragédia que se abateu sobre a maioria oprimida reforça a necessidade de propagandear, agitar e organizar a luta a partir das necessidades mais elementares dos explorados, vinculando-as à estratégia da revolução e ditadura proletárias.