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18 set 2020
Declaração do Partido Operário Revolucionário
Traição, traição, traição
Acordo de demissão na Volks agrava o desemprego no país
17 de setembro de 2020
Em uma assembleia de pouco mais de 20 minutos, passiva, sem nenhuma voz discordante e com uma votação de quase 100% a favor, foi aprovado o acordo maldito. Com as duas mãos erguidas, a pedido do presidente do Sindicato Metalúrgico do ABC, Wagner Santana, os operários puseram a corda no seu próprio pescoço. O flagelo e suicídio foram considerados pela direção sindical como um bom acordo, tendo em vista “as condições econômicas do país”. Assim, a multinacional alemã fechará mais de 5 mil postos de trabalho, congelará os salários por alguns anos, reduzirá seu valor e extinguirá direitos. Os mercadores da vida dos operários – direção sindical e montadora -, de mãos dadas, ofereceram em troca uma estabilidade de cinco anos para quem fica. Montaram um formato de acordo em que estaria assegurada a divisão entre os trabalhadores.
A poderosa empresa imperialista pagará as indenizações, que aparentam ser vantajosas, com uma pequeníssima fração do capital extraído da própria exploração do trabalho dos metalúrgicos. Em breve tempo, com o congelamento e redução salariais, a empresa reporá as indenizações. Em outras palavras, aqueles que continuarão trabalhando vão pagar os custos das milhares de demissões e arcarão com uma maior taxa da exploração. “Do couro sai a correia”, e da correia sai o açoite. Esse é o conteúdo econômico e social do acordo costurado nos bastidores da Volkswagen.
Os administradores do capital da multinacional fizeram os cálculos de quanto economizariam com as demissões em massa, quanto ganhariam no futuro quando voltasse a crescer a produção e quanto precisariam economizar congelando e reduzindo os salários, para pagar as indenizações e para, depois, faturar com o aumento da exploração da força de trabalho reduzida. Calcularam, ainda, uma contrapartida, que é a estabilidade, suplicada pela direção do sindicato. Nenhum capitalista gosta de dar nenhum tipo de garantia aos trabalhadores. Como se trata de uma concessão, e não de uma conquista imposta pela classe operária, a estabilidade não passou de uma moeda de troca vantajosa para o capital. Todos sabem que, se precisar descumprir essa cláusula, a multinacional tem força para isso. Com a reforma trabalhista, ficou mais fácil ainda de jogar na lata do lixo os acordos, que não mais interessam ao patronato. Qualquer que seja o ângulo, não há como demonstrar um só ponto favorável do “acordo” aos metalúrgicos. A ilusão sobre a estabilidade foi o componente político, para dividir as bases e ocultar a traição dos dirigentes sindicais.
A assembleia, aparentemente democrática, fez parte de uma grande fraude contra os interesses, não só dos metalúrgicos da Volks como do conjunto da classe operária. A direção sindical iniciou as negociatas com a montadora tendo como orientação não mobilizar os operários, não organizar nenhuma forma de luta. Estabeleceu como objetivo armar um acordo, de tal maneira que, quando apresentado às bases, já não havia o que fazer, a não ser aprová-lo em uma assembleia fajuta. Os operários deveriam ficar à margem das tratativas. Quanto mais desconhecessem o que se passava nos bastidores dos encontros, entre a burocracia do sindicato e os administradores da empresa, melhor seria. Eis por que a Tribuna Metalúrgica evitou levar regularmente aos operários a discussão sobre os termos do acordo.
A conduta política, assim, foi a de ocultar ao máximo o escandaloso plano de mais de 5 mil demissões. O conteúdo dessa posição derrotista se baseou, desde o início, em aceitar as exigências da multinacional e utilizar a “estabilidade” como um recurso diversionista e divisionista. Esse é o método da política de conciliação de classes, em que o sindicato é submetido aos interesses do capital contra o trabalho. Esse método, manejado pela direção sindical, tem por pressuposto a derrota sem luta. A burocracia, neste caso, não precisa se valer da política de conciliação, para derrotar uma luta, como ocorreu com a recente greve dos metalúrgicos da Renault, em São José dos Pinhais, Paraná. A derrota sem luta é favorável tanto à burocracia quanto aos capitalistas. Para isso, é preciso algumas condições. Os patrões devem se dispor a negociar às portas fechadas e a apresentar uma “contrapartida”, que justifique a derrota sem luta. Os operários, por sua vez, têm de estar premidos, temerosos e fragmentados, de maneira que seu instinto natural de revolta esteja esmagado. A pandemia e a política burguesa do isolamento social resultaram em demissões em massa, sem que houvesse resistência dos sindicatos e centrais. De fato, não apenas não resistiram como se adaptaram e contribuíram para potenciar as pressões dos exploradores sobre os explorados. A aplicação da MP 936 comprova essa denúncia. O temor das demissões e suas consequências para a vida da família operária facilita a divisão em suas fileiras, uma vez que os seus sindicatos e suas direções políticas não se dispuseram a organizar a luta e elevar a consciência das massas sobre as causas das demissões, desemprego, subemprego, redução dos salários e avanço da pobreza, miséria e fome. A assembleia da Volks, de 15 de setembro, retratou essas terríveis condições contrárias às tendências instintivas de revolta coletiva. Estampou a profunda derrota sem luta. A multinacional saiu ilesa, triunfante.
A direção do Sindicato Metalúrgico do ABC acumula uma enorme experiência com a aplicação da política de colaboração de classes. Já não tem nenhum traço de identidade com a inexperiente burocracia que se forjou nas greves do período de 1980 e 1990. Uma burocracia centrista que ora levava os trabalhadores a se chocarem com o patronato e governo, ora bloqueava os combates. Nesse período de ascenso do movimento operário, camponês e das massas em geral, os dirigentes assumiam bandeiras como redução da jornada sem reduzir os salários, estabilidade no emprego, reposição e aumento salariais, salário mínimo do Dieese, independência dos sindicatos e soberania das assembleias, etc. O seu vínculo com a política reformista do PT e aliados se encarregou de transformar essa burocracia, que chegou a se autodenominar de “sindicalistas autênticos”, em correia de transmissão da política de Estado. Evidentemente, a projeção de Lula até a presidência da República fortaleceu a tendência burocrática colaboracionista, autoritária, antioperária e contrarrevolucionária. As multinacionais, principalmente as montadoras, tiveram um lugar privilegiado na administração de Lula. A burocracia sindical do ABC e, em geral da CUT, serviu de porta-voz das montadoras. Apoiou as medidas governamentais de subsídios ao capital multinacional do setor automobilístico, assumiu a manobra do que se chamou “Autovisão” da Volks, para justificar a diminuição de postos de trabalho, afastamento e demissão. É nesse terreno que renunciou às reivindicações do passado e as substituiu pelo método da flexibilização capitalista do trabalho (banco de horas, layoff, PDV, PLR, etc.).
Observa-se que, passo a passo, essa fração da burocracia se tornou apêndice do capital imperialista. Enquanto foi possível jogar com essas variantes da flexibilização, a burocracia negociadora pôde, em certa medida, ocultar seu caráter completamente reacionário. Mas a aplicação de tais medidas se mostrou provisórias. Rapidamente, envelheciam diante do avanço da desintegração do capitalismo. Recentemente, a direção do sindicato do ABC teve de usar de toda a artimanha para enganar os metalúrgicos da Ford, que se viram desempregados com o fechamento da planta da montadora na região. Agora, essa mesma direção mancomuna com a Volks para impor as demissões em massa. O método da flexibilização capitalista já não funciona em si mesmo, uma vez que as multinacionais necessitam reagir ao excedente da força de trabalho, nas condições de uma jornada de 8 horas. Esse foi o argumento tanto da Volks quanto da direção do sindicato para justificar a destruição de mais cinco mil vagas. Os burocratas puseram de lado, definitivamente, a bandeira de redução da jornada sem redução salarial e estabilidade no emprego.
Um acontecimento tão contunde como a demissão de milhares em uma só empresa não mereceu a devida atenção e resposta do movimento sindical e popular. As correntes de esquerda desconheceram o que se passava na Volks. Não se esforçaram em denunciar e se mobilizar contra o acordo maldito. Foi o que também ocorreu com o fechamento da Ford. Até os mais esquerdistas, que tanto falam de socialismo, luta operária independente, etc., se omitiram vergonhosamente. Estão empenhados em inserir suas candidaturas nas eleições municipais. As centrais sindicais haviam, pouco antes, divulgado uma nota intitulada “Pela anulação das demissões na Embraer”. Denunciaram as 2.500 demissões, e pediram, em palavras, que a empresa anulasse a decisão. O cinismo se tornou visível, quando não fizeram nada para combater as demissões na Volks. O próprio Sindicado dos Metalúrgicos de São José dos Campos, filiado à Conlutas, ambos dirigidos pelo PSTU, não levantou um dedo para rechaçar o acordo da Volks e defender a unidade dos operários na luta contra as demissões.
É próprio da política e do método sindical da burocracia – tanto de direita quanto de esquerda – desvincular o ataque do capitalista em uma fábrica do restante da classe operária. É como se a demissão na Volks dissesse respeito apenas aos seus operários e ao sindicato de sua base. É como se o que acontece na Embraer não atingisse o conjunto dos explorados. Esse corporativismo oculta que os explorados estão diante de uma onda de demissões, que tomou corpo na recessão de 2015 e 2016, e que, agora, se eleva às alturas e esmaga a vida da maioria oprimida.
O grande problema da situação se concentra, precisamente, na firme defesa dos empregos. Está colocado pôr em pé um movimento nacional. Ocorre que as direções sindicais vêm se submetendo à ofensiva do governo e da burguesia, principalmente dos monopólios industriais, que refletem no Brasil seus problemas internacionais. A burocracia desconhece as demissões ou colabora diretamente para que ocorram sem luta. As esquerdas levantam reivindicações justas, mas estão amarradas por detrás das frações burocráticas e do movimento opositor do reformismo ao governo Bolsonaro. De forma que têm permanecido passivas, como acaba de demonstrar o bárbaro acordo de demissão na Volks.
Não surpreendeu à militância do POR, que interveio contra o acordo e a assembleia fraudulenta. A assembleia no pátio da fábrica impossibilitou a divulgação interna do boletim Nossa Classe. Mas os operários vieram até o alambrado para pegar o Boletim. Logo vimos que havia um interesse em saber sobre uma posição oposta à da burocracia pró-multinacional. Como vimos, tudo se passou às escondidas e o acordo foi abruptamente imposto aos metalúrgicos, que, no dia anterior à assembleia, foram informados em cada ala do chão de fábrica sobre o que iriam votar. Os burocratas do comitê sindical de empresa pretenderam impedir a distribuição, mas viram que era mais conveniente não fazer um enfrentamento, uma vez que a assembleia estava suficientemente amarrada dos pés à cabeça. O fundamental desse acontecimento é que esteve presente a política proletária, ainda que não tivesse como ser encarnada por uma vanguarda.
No passado, entre 2001 e 2008, se organizou uma oposição no interior da Volks, chegando a influenciar a Comissão de Fábrica. Mas por não ter se elevado ao programa da revolução proletária, encarnado a democracia sindical, desenvolvido as reivindicações, e não ter sido capaz de fazer o trabalho legal e clandestino, acabou se dissolvendo. O que atrasou a luta pela constituição de uma direção classista e revolucionária. A assembleia, assim, pôde passivamente ser controlada pela burocracia traidora.
As experiências do passado e a do presente expõem a importância decisiva de erguer uma direção consciente, socialista. A derrota sem luta é a pior das derrotas. Sabemos que cala fundo no ânimo do proletariado. Mas as contradições do capitalismo são brutais. Esse acordo logo se mostrará insuficiente. E, em outras fábricas do ABC, os mesmos problemas se manifestam, a exemplo da Kostal e Mahler. Em todos os ramos da produção, comércio e serviço, a crise se espalhou nos últimos meses. O programa de reivindicação da classe operária deve ser agitado e propagandeado pela vanguarda com consciência de classe. A luta contra a burocracia vai se acirrar. As tendências instintivas de luta continuam sendo alimentadas pelos ataques dos governos, com suas contrarreformas, e dos capitalistas, com as demissões, redução dos salários e destruição de antigos direitos trabalhistas. É nelas que a vanguarda com consciência de classe deve se apoiar contra os exploradores e seus lacaios que controlam os sindicatos.
Abaixo o acordo de traição aos metalúrgicos da Volks e à classe operária como um todo!
Por um plano de reivindicação de defesa dos empregos, salários e direitos!
Lutemos pela independência dos sindicatos, pela democracia operária e pela organização de base!
Constituir as oposições classistas, antiburocráticas!