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06 jul 2021
Décima Carta do Partido Operário Revolucionário
Aos trabalhadores e à juventude oprimida
Um chamado às correntes de esquerda
Que rompam com a estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”!
Que se coloquem em defesa das reivindicações vitais dos explorados, pelo método da ação direta e independência política diante dos partidos da burguesia!
Que fortaleçam a frente classista e combativa!
5 de julho de 2021
Como prevíamos, a bandeira do “Fora Bolsonaro” subordinaria a quebra da passividade de um ano e três meses ao objetivo burguês do afastamento do presidente ultradireitista pelo impeachment. As manifestações de 29 de maio indicaram que essa era a orientação determinada pelas direções, que constituem a frente partidária e sindical do “Fora Bolsonaro”. É bom lembrar que houve divergência na cúpula dessa frente, sobre se era o momento de quebrar a passividade e sair às ruas. A mobilização de 19 de junho se realizou em razão da surpresa das direções sindicais e políticas, da afluência massiva de manifestantes em 29 de maio. Mesmo tendo claro que havia disposição de luta de milhares de pessoas por todo o país, a cúpula dirigente marcou o novo ato para 24 de julho, portanto, um mês e cinco dias depois. Essa distância revelou a orientação política e a avaliação da cúpula, de que as mobilizações deveriam seguir as disputas eleitorais em curso, tendo em vista a potenciação da candidatura de Lula, a sua polarização com Bolsonaro, e responder aos reflexos políticos da CPI da Covid.
Duas variantes da situação política determinam a conduta da direção da frente “Fora Bolsonaro”. De um lado, a corrida e os arranjos eleitorais; de outro, o afastamento de Bolsonaro por um impeachment. Essas duas variantes estão entrelaçadas. A pretensão de separar uma da outra não constitui erro de análise, mas sim expressão do oportunismo. Repentinamente, a cúpula decidiu realizar o ato nacional de 3 de julho. Essa pressa não consistiu em uma alteração na diretriz política, mas uma resposta à articulação do que se denominou de “Superpedido de Impeachment”. Como se surgisse do nada, uma frente ampla de partidos e direções sindicais, populares e estudantis decidiu entregar, no dia 30 de junho, ao Congresso Nacional, o “Superpedido”. O que motivou essa frente, que incluiu partidos da burguesia de centro e direita, foram as revelações na CPI da corrupção, envolvendo o presidente da República na compra da vacina Covaxin. Assim, a manifestação serviu de pano de fundo social para pantomina da CPI, regida pelos senadores Omar Aziz e Renan Calheiros. Entre as figuras do ato de entrega do “Superpedido”, se destacaram os ultradireitistas, golpistas e ex-bolsonaristas, Joice Hasselmann (PSL) e Kim Kataguiri (DEM/MBL). Alinhou-se ao “Superpedido” a maior parte das correntes de esquerda.
A justificativa do PT para uma frente tão ampla é a de que, para tirar Bolsonaro do poder, vale tudo, ou seja, é preciso compor uma aliança com todos os partidos que estejam dispostos a ir adiante com o impeachment. Essa posição tem sentido pragmático. A experiência mostra que não basta a mobilização popular para viabilizar o impeachment. A decisão cabe ao poder econômico, ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e às Forças Armadas. Evidentemente, o peso de cada instituição se verifica no processo político, daí que a mobilização popular é um instrumento dessa composição politicamente heterogênea.
As correntes de esquerda, que se movimentam como alas do PT, sonham com um movimento “Fora Bolsonaro” limitado ao campo das esquerdas reformista e centrista. A tentativa de esvaziar a bandeira do “Fora Bolsonaro”, extraindo dela o impeachment, não passa de uma manobra artificial e pueril. E aqueles que admitem o impeachment, desde que os partidos da burguesia, principalmente da direita, fiquem de fora, estão amarrados ao cretinismo. Os mais esquerdistas do “Fora Bolsonaro”, quando dizem que querem derrubar agora o governo genocida, se auto enganam, acreditando na possibilidade de o PT e seus aliados liderarem um movimento revolucionário. E se auto enganam, acreditando que o movimento da pequena burguesia opositora a Bolsonaro irá travar um combate tão decisivo. A miopia da esquerda oportunista somente não é tão responsável pelo desvio das mobilizações para o beco sem saída do impeachment quanto o é a direção reformista, burocrática e pró-capitalista, porque não detém o comando dos aparatos e das forças sociais.
A mobilização de 3 de julho sofreu uma sensível alteração em reação às anteriores. A cúpula dirigente abriu caminho para a participação de todos os partidos que estivessem pelo impeachment. O fato de as representações do PSDB e PDT terem sido diminutas se deveu a que a manifestação do dia 19 de junho tivesse sido demarcada como um movimento de esquerda pelo “Fora Bolsonaro”. Os grandes partidos da burguesia, entretanto, não se decidiram pelo impeachment. O que dificultou à cúpula dirigente da frente “Fora Bolsonaro” alargar o espectro político do dia 3 de julho. Os conflitos entre militantes e agentes do PSDB não passaram de um sintoma, que indica o impasse prematuro do movimento “Fora Bolsonaro”.
Está claro que o rompimento da passividade das direções sindicais e políticas não se deveu à luta da classe operária e dos demais trabalhadores por suas reivindicações próprias, embora a maioria oprimida vem arcando, não apenas com a ferocidade da Pandemia, como também com o aumento do desemprego, subemprego e elevação do custo de vida. Não se deveu também aos ataques de Bolsonaro e do Congresso Nacional à economia do país, com as privatizações e concessões ao capital financeiro. As direções canalizaram, imediatamente, o ódio dos explorados para o oposicionismo burguês e pequeno-burguês, materializado nas bandeiras do “Fora Bolsonaro” e “Impeachment”. As reivindicações de auxílio emergencial de R$ 600,00 – valor miserável já utilizado pelo governo – e a vacinação a todos servem de enfeites. Os sindicatos operários ficaram à margem das manifestações, apesar de suas direções fazerem parte do controle do movimento, juntamente com as direções políticas alinhadas com o oposicionismo petista. É visível a resistência da cúpula dirigente em movimentar as bases operárias, o que teria de modificar o caráter dos atos, que têm se limitado a camadas da pequena burguesia urbana e de um contingente da juventude oprimida, que seguem os passos do reformismo.
O movimento orientado pelo “Fora Bolsonaro e impeachment” não comporta um levante do proletariado e das massas empobrecidas por suas necessidades vitais. Muito se escreve e se discursa sobre o desemprego de 14,8 milhões, os 6 milhões de “desalentados”, os 33,3 milhões de “subutilizados”, e os mais de 100 milhões que correm o risco da “insegurança alimentar”. Muito se fala que o desemprego sacrificou ainda mais as mulheres e a juventude, particularmente de negros. No entanto, as direções sindicais e políticas se negam a levantar as massas por um programa próprio de reivindicações.
As correntes de esquerda vêm expondo os seus fortes laços com o reformismo petista, que mantém a hegemonia no campo da oposição burguesa e pequeno-burguesa aos governos de direita e ultradireita. Eis por que quase todas as correntes se abrigaram nas bandeiras “Fora Bolsonaro” e “Impeachment”, renunciando à luta operária pelo programa próprio de reivindicações.
As contradições da esquerda centrista foram aflorando à luz do dia, na medida em que se submeteram à passividade das direções sindicais e políticas, por um ano e três meses de Pandemia e, agora, à estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro” e “Impeachment”. Isso explica por que os partidos, que se reivindicam do socialismo, do comunismo e da luta dos explorados, se negaram a constituir uma frente em defesa dos empregos, salários e direitos trabalhistas no interior das manifestações, mantendo-se agarrados à frente burguesa e pequeno-burguesa oposicionista ao governo.
Não é incompreensível ou absurda a heterogeneidade de posições no interior da homogeneidade estratégica. Sob as bandeiras do “Fora Bolsonaro” e “Impeachment”, portanto da estratégia comum, se abrigam aqueles que são abertamente aficionados pela candidatura de Lula, aqueles que não são aficionados, mas que estão por uma frente eleitoral de esquerda, tendo o candidato do PT como o pivô, e aqueles que fingem acreditar na possibilidade desse movimento oposicionista evoluir para uma eclosão revolucionária contra o governo da ultradireita.
Avaliando a manifestação do dia 3 de julho, um dirigente da CSP-Conlutas e PSTU disse que “os atos fortaleceram a campanha pelo Fora Bolsonaro”. E acrescentou que “é preciso avançar para um patamar superior”, que seria a convocação “de uma greve geral sanitária para deter o genocídio”. E logo esclareceu: “Não uma greve por salário. É pela vida, portanto, uma greve política”. O PSTU e a CSP-Conlutas assinaram o “Superpedido de Impeachment”, e fizeram coro na entrega aos politiqueiros do Congresso Nacional. A panaceia da greve geral sanitária é uma bandeira talhada para ocultar o seu seguidismo à estratégia política da oposição burguesa e pequeno-burguesa. Uma greve geral por salário – e acrescentamos, por empregos e direitos trabalhistas – é dispensada pelo representante do PSTU/CSP-Conlutas, porque não seria uma “greve política”. A impropriedade dessa afirmação não se deve tão somente ao distanciamento cada vez maior dessa corrente centrista do marxismo, mas às pressões da situação política para que o rompimento da passividade das direções não desse lugar a um levante dos explorados por suas necessidades vitais.
Todas as correntes que se abrigam no guarda-chuva do “Fora Bolsonaro e Impeachment” se têm negado a defender e a organizar um movimento, que tenha por base a luta pelos empregos, salários e direitos trabalhistas. Não faltam esquerdistas para dizer que a defesa e a organização do movimento de massa pelas necessidades vitais não seriam apropriadas à luta política contra o governo Bolsonaro. Ocorre exatamente o contrário. A luta do proletariado contra o governo, que utiliza o Estado para descarregar a crise sanitária e econômica sobre a maioria oprimida, tem por base a tragédia social concreta.
O movimento iniciado em 29 de maio teria dado um passo seguro, caso estivesse sob as bandeiras de redução da jornada sem reduzir os salários, readmissão de todos os trabalhadores demitidos durante a Pandemia, estatização das empresas fechadas, controle operário da produção, recuperação dos direitos trabalhistas destruídos, reposição salarial e salário mínimo vital. Esse conjunto de reivindicações defende de fato a vida da maioria oprimida, uma vez que protege a força de trabalho contra o capitalismo em desintegração. Nessa luta, ganharia projeção a defesa do auxílio emergencial, que corresponda às reais necessidade da família desempregada e subempregada. A classe operária nessa luta compreenderia a importância de reagir à guerra comercial em torno às vacinas, respondendo com o programa de expropriação dos monopólios. Compreenderia a importância de lutar contra as privatizações, e assumiria a bandeira de reestatização sem indenização.
A renúncia a esse percurso da luta de classes contra os governantes e a burguesia, tendo como centro o governo antinacional e antipopular de Bolsonaro, levou de roldão as correntes de esquerda a se agarrarem ao mastro do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Essa renúncia, evidentemente, não é de hoje. Os sindicatos burocratizados e, em grande medida, submetidos à política do reformismo, há muito, não lutam pelos empregos, salários e direitos trabalhistas. Haja vista a generalização dos acordos de flexibilização capitalista do trabalho (lay-off, banco de horas, redução de salário, suspensão de contratos, terceirização, indenização por fechamento de fábricas). Não há nenhuma fração sindical que tenha combatido essa política de conciliação de classes e conservado na luta diária o programa de defesa das condições elementares dos explorados. No passado, a socialdemocracia manobrava, separando o programa mínimo (reivindicações vitais) do programa máximo (a estratégia da revolução proletária). Hoje, as burocracias socialdemocrata, reformista e centrista simplesmente abandonaram o programa mínimo. O fato de os centristas de esquerda se declararem socialistas e partidários da revolução não altera essa capitulação.
As direções da CUT e do PT não ocultam a sua estratégia burguesa. Defendem e explicam que a remoção de Bolsonaro é a condição para retomar o crescimento econômico, recuperar os empregos e distribuir renda. Assim, conduzem o movimento a substituir um governo burguês por outro, seja por meio das eleições ou do impeachment. A função do reformismo é a de salvar o capitalismo. Para isso, oferece migalhas aos desempregados, subempregados e famintos. A falência do governo Bolsonaro expressa a decomposição da política burguesa, que se manifesta na incapacidade de proteger a maioria oprimida das crises sanitária e econômica. Os reformistas pretendem estancar o desmoronamento da governabilidade burguesa e, assim, evitar o levante revolucionário das massas. O desemprego, subemprego, miséria e fome são estruturais. Tendem a se agravar, e não a se amenizar. A tese reformista, de adotar uma política econômica e social que diminua a “desigualdade”, e que aproxime em alguns centímetros o capital do trabalho, guia a estratégia do “Fora Bolsonaro” e “Impeachment”.
O predomínio quase absoluto dos reformistas sobre o movimento sindical e popular reflete o profundo atraso da consciência de classe do proletariado e, portanto, a profunda crise de direção. As condições econômicas e sociais objetivas para derrubar o governo reacionário de Bolsonaro estão plenamente dadas. Não estão dadas as condições subjetivas, programáticas e organizativas, uma vez que não estão encarnadas por uma poderosa fração do proletariado. O reformismo e a esquerda centrista se movem em meio a essa contradição. O que os une é a rejeição da tarefa de levantar o movimento pelas reivindicações vitais. Essa unidade conservadora e reacionária se expressa no movimento burguês e pequeno-burguês do “Fora Bolsonaro e Impeachment”.
As condições subjetivas para a derrubada revolucionária de Bolsonaro e a constituição de um governo do proletariado e dos demais explorados não estão presentes. O que deixa o caminho completamente aberto ao reformismo, que manipula com as bandeiras oposicionistas. A luta para que o proletariado imprima, no movimento pequeno-burguês democratizante, as reivindicações vitais e a sua política de independência de classe é a tarefa principal do momento. A batalha se trava, inevitavelmente, no campo da defesa da força de trabalho, dos empregos, salários e direitos trabalhistas, principalmente.
O Partido Operário Revolucionário (POR) se colocou neste campo antes mesmo das direções sindicais e políticas romperem a longa passividade. É o que nos permitiu dar continuidade a essa luta, no momento em que as massas voltaram às ruas. A classe operária, instintivamente, sente que sua ausência é prejudicial para si mesma e para o conjunto da população. O problema está em que se encontra bloqueada pela burocratização das organizações sindicais.
O POR fez um chamado às correntes que se reivindicam do socialismo a constituir uma frente em torno a um programa emergencial próprio dos explorados, e a rechaçar os desvios eleitorais. Voltamos, agora, sobre a base da experiência das três manifestações, a exigir das correntes, que rompam com a estratégia burguesa e pequeno-burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Que assumam a tarefa de unir empregados e desempregados; de lutar pela realização das assembleias presenciais, pela constituição dos comitês de base e pela independência organizativa do movimento, baseados no programa de reivindicações, na ação direta das massas e na democracia proletária. É por essa via que os explorados passarão por cima da política de conciliação de classes e da estratégia burguesa do reformismo. É por essa via que os explorados poderão se erguer no terreno próprio de luta contra a burguesia exploradora, os governantes opressores e, em particular, o governo ultradireitista, militarista e fascistizante de Bolsonaro.