• 27 jul 2021

    12° Carta do POR – Mudar a estratégia política das manifestações

Décima segunda Carta do Partido Operário Revolucionário

Aos Trabalhadores e à juventude oprimida

É necessário mudar urgentemente a estratégia política das manifestações

26 de julho de 2021

Está claro que a 4ª mobilização nacional, 24 de julho, indicou a disposição de luta de amplas camadas da população contra o governo Bolsonaro. No entanto, indicou também a sua limitação, quanto ao objetivo de atingir a coluna vertebral do governo ultradireitista, antinacional e antipopular. Esse é o ponto central de um balanço rigoroso e necessário. Somente assim, é possível chegar a conclusões, que sirvam para dar um passo à frente na ação direta das massas, e transpor a estagnação evidenciada.

É claro que se pode argumentar que, em alguns estados, se passou o contrário, com o aumento do número de manifestantes, e que, inclusive, cresceu a quantidade de cidades em que as manifestações romperam a passividade. Trata-se de avaliar de forma geral a jornada de luta, que se iniciou em 29 de maio, com uma grande manifestação. O segundo embate contra o governo, em 19 de junho, confirmou as tendências da ação coletiva dos explorados. Em seguida, apareceram sinais de limitação.

Essa constatação deve ser acompanhada da identificação da composição social das mobilizações, de um lado; e da diretriz política, determinada e desenvolvida pela direção, que é constituída de uma frente de partidos, centrais sindicais e movimentos, de outro. Quanto à composição social, têm predominado camadas da classe média, principalmente da pequena burguesia urbana. Entre essas camadas, destaca-se a presença da juventude oprimida. Nota-se, portanto, a ausência da classe operária. Quanto à diretriz política, o movimento tem sido condicionado pela bandeira estratégica de “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Mas são indisfarçáveis os interesses eleitorais da direção majoritária, em potenciar a polarização entre o candidato Bolsonaro e Lula. Como se vê, há uma íntima relação entre a base social do movimento e a estratégia política ditada pela direção.

O ódio crescente, que se fermentou no interior da população, contra o governo que comparece imediatamente como sendo o maior responsável pela tragédia da Pandemia e suas consequências econômicas, reacende velhas ilusões democráticas, de que a solução é trocar o governo burguês rejeitado por outro, uma vez que a revolução proletária se acha em grande atraso e muito distante, devido à crise de direção revolucionária. O semeeiro das ilusões democráticas se encontra na pequena burguesia arruinada. A sua camada alta, ao contrário, tende a posições antidemocráticas e fascistizantes.

O PT, depois da vertiginosa queda, com o impeachment de Dilma Rousseff, se reergue na sombra da decomposição prematura do governo Bolsonaro, que, originariamente, pretendia se impor como uma ditadura bonapartista. Em torno ao PT, orbitam partidos da oposição, como PCdoB, PSOL, PCB, UP. E, em parte, PDT e PSB. Na órbita ideologicamente mais distante, se encontram correntes centristas, como PCO e PSTU (desconsideramos outras correntes centristas de menor importância). É o que explica a constituição de uma frente guiada pela estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Nenhuma importância tem, o fato de cada um dos participantes procurar dar um conteúdo particular a essas bandeiras, uma vez que a sua essência está no caráter estratégico, concreto, de mudar um governo burguês por outro. As pretendidas diferenças estão voltadas a canalizar as ilusões democráticas da pequena burguesia, ou para posições abertamente eleitoreiras, ou para um revolucionarismo abstrato. A substância da bandeira “Fora Bolsonaro”, no momento, é a do impeachment. Posteriormente, poderá ser a das eleições.

A tentativa de injetar a intenção de derrubar o governo nas ruas, por meio da “Campanha Nacional Fora Bolsonaro”, não passa de uma impostura mascarada de esquerdista. Os conflitos internos a essa frente são completamente circunstanciais, diante da unidade estratégica em torno ao “Fora Bolsonaro e Impeachment”. É o que assistimos, nas últimas semanas, com a empanturrada discussão a respeito do “entrevero” entre PCO e PSDB, que, agora, na manifestação de 24 de julho, se esfumaçou, inclusive, sob um termo de compromisso de PCO com a polícia, Defensoria Pública, etc., de não fustigar os peessedebistas. O que aliviou as tensões dessa corrente com os demais aliados estratégicos da campanha “Fora Bolsonaro e Impeachment”, ou seja, PT, PCdoB, PSOL, PCB, PSTU, etc.

A direção majoritária manifestou seu objetivo de alargar a frente, cedendo espaço das manifestações ao PSDB e a todas as frações dos grandes partidos da burguesia, que já não concordam unanimemente com a continuidade do apoio a Bolsonaro, e que não pretendem ficar na penumbra da campanha pelo impeachment. Eis por que o “entrevero” entre militantes do PCO e do PSDB foi condenado, veementemente, por uma parte da direção sindical e política, liderada pela Força Sindical. Essa é a via, por enquanto, para ampliar o crescimento das manifestações. Nota-se que a presença de um contingente do PSDB, PDT, PV, PSB e Rede, do denominado “Bloco Democrático”, não se converteu em maior número de manifestantes.

Não há que desconsiderar o fato de a CPI da Covid ter entrado em recesso. O entrevero da imprensa com Bolsonaro, denunciando o ataque do ministro da Defesa, general Braga Neto, acompanhado dos comandantes das Forças Armadas à CPI, e a ameaça ao Congresso Nacional, para que atendesse à exigência de substituir o voto eletrônico pelo voto auditável nas urnas, por sua vez, não serviu para ampliar as manifestações do “Fora Bolsonaro”. A direção sindical e política recorreu à bandeira de “defesa da democracia”. Uma enorme convocação foi desfechada, tudo indica a maior de todas. As massas, porém, não se convenceram sobre a possibilidade de um golpe, principalmente observando a cúpula militar do governo declarar-se fiel à Constituição. De fato, porta-vozes da própria oposição burguesa reconheceram que se trataria de uma aventura, qualquer que fosse a tentativa de fechar o Congresso Nacional, em função do conflito em torno às urnas eletrônicas. De maneira que o palavreado em “defesa da democracia” se anulou em si mesmo. O resultado foi que as manifestações em todo o país não saíram do mesmo terreno e da mesma toada do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Se não fossem as ações paralelas de agrupamentos autonomistas, em São Paulo, não haveria assunto para a imprensa, e bate-boca nas redes sociais.

Sob a pasmaceira dos repetidos discursos contra Bolsonaro e o choque final da polícia com os autonomistas, veio à tona o termo de conduta negociado entre várias correntes da “Campanha Fora Bolsonaro” e a Polícia Militar do estado de São Paulo, Defensoria Pública, OAB, etc. Até então, não se havia publicado um documento dessa natureza, envolvendo a UNE, PCB, PSDB, UMES, CSP, Bengala Voadoras e PCO, segundo a própria ata de reunião do 11º Batalhão da PM. A importância desse fato está em que se tratou do problema do entrevero com o PSDB, de um lado; e da organização da manifestação, em que se determinou uma previsão de início e conclusão, bem como um posicionamento dos inúmeros carros de som, de outro. Em um dos itens, é dito que “as vias públicas não devem ser obstruídas à revelia pelos manifestantes”. Essa regulamentação, sem dúvida, atinge o direito de manifestação e organização dos explorados, diante do Estado burguês e da ditadura de classe da burguesia. É inadmissível que a polícia e as organizações estatais e civis, que servem à ordem capitalista, determinassem como deve ser a manifestação.

O acordo estabelecido e assinado pelas organizações estudantis, sindicais e partidárias é contrário às liberdades democráticas. Não cabe ao Estado e seu braço armado terem acesso à organização, ao funcionamento e à composição política das manifestações dos explorados. O enquadramento de PCO em relação ao PSDB, baseado no conflito da manifestação de 3 de julho, não deixou de ser uma ação política repressiva. O POR tratará desse aspecto em uma nota específica. Aqui, se trata de rechaçar a ingerência da polícia na organização, por qualquer motivo aventado, em um movimento que cabe apenas aos participantes decidirem o que fazer. Trata-se de defender a soberania das massas em luta diante do Estado.

É obrigatório explicar e entender por que a Campanha Nacional do Fora Bolsonaro chegou a esse ponto. A resposta se encontra na estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Ela condiciona o movimento das massas à democracia burguesa, portanto, às suas instituições. Assim, deve ter um caráter disciplinado pela legalidade e pelos ditames da política burguesa. A direção sindical e política estabeleceu o curso das manifestações de acordo com a Constituição, que prevê o impeachment, e determina as condições políticas de sua realização.

O próprio formato das manifestações, principalmente em São Paulo, em blocos de partidos e organizações sindicais e populares, expressa um corporativismo interno, que disciplina os manifestantes. Os inúmeros carros de som funcionam como um aparato, que secciona e estanca a manifestação, na forma de comícios eleitorais, ou como instrumento de festividade. As diferenças se diluem por detrás da bandeira estratégica do “Fora Bolsonaro e Impeachment”.

As ações dos autonomistas, por se darem paralelas e à margem do movimento de massa, concluem isoladas e sem transcendência política, para a luta interna ao movimento por sua independência, por reivindicações e estratégia próprias do proletariado. Ao contrário de enfraquecer a diretriz legalista e institucional da direção e das correntes capituladoras, as ações paralelas e individuais acabam por fortalecê-las, diante dos manifestantes que se mantêm atados à estratégia burguesa, sem ter como compreendê-la. A violência das massas contra a opressão da burguesia e de seu Estado é própria da luta de classes, por isso, não há como superar artificialmente seu comportamento social pacífico, quando estão sob a direção reformista e pacifista. A tática dos autonomistas, de se ocultarem no seio do movimento, valendo-se da existência de blocos estanques, se revela cada vez mais oportunista e frágil.

Observa-se que, na outra face dessa moeda, está o formato aparelhista dos blocos, que fraciona as massas, impedindo sua coesão combativa. As festividades e as performances dissolvem o caráter de enfrentamento da manifestação com os exploradores e seus governantes.

Essas duas faces da moeda ficaram mais visíveis no dia 24 de julho. Mas não são duas faces que têm o mesmo valor. A do oportunismo, que sustenta a estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro”, é a que condiciona o curso dos acontecimentos. Eis por que, no fundamental, na estratégia, se concentra a crítica programática e tática do POR. É claro que, quando os autonomistas usam taticamente a Frente Classista e Combativa, da qual o POR faz parte, criam uma confusão prejudicial à nossa luta para se diferenciar do reformismo e do oportunismo, que conduzem o movimento ao beco sem saída da institucionalidade burguesa.

No longo período de passividade das direções sindicais e políticas, que se submeteram à política burguesa do isolamento social, o POR lutou contra essa forma de colaboração de classes, defendendo a convocação de assembleias presenciais, a formação de comitês de base, a retomada da luta de massa, o fortalecimento da resistência operária ao fechamento de fábricas, e reagindo nacionalmente às privatizações. Teve particular importância a intervenção no movimento de resistência ao fechamento da Ford e LG.

A partir das condições objetivas de existência da classe operária e dos demais explorados, o POR estabeleceu a linha de erguer um movimento pelos empregos, salários, direitos trabalhistas e vacinação universal. Levantou a bandeira de convocação, pelas centrais e movimentos, de um Dia Nacional de Luta, com paralisações e bloqueios. Assim, se abriria caminho à luta organizada da classe operária, e se preparariam as condições para a greve geral. Essa linha foi estabelecida muito antes do dia 29 de maio, e defendida praticamente no 1º de Maio presencial, na Praça da Sé, momento em que se formou a Frente Classista e Combativa.

A quebra da passividade das direções sindicais e políticas não foi para pôr em pé um movimento de massa em defesa de um programa próprio de reivindicações dos explorados, por onde se chocaria com os capitalistas e com o governo Bolsonaro. Ao contrário, apenas se mudou a forma da mesma política de colaboração de classes, amarrando o movimento à camisa de força da estratégia burguesa do impeachment e das eleições. Assim, as reivindicações mais urgentes da maioria oprimida foram subordinadas ao objetivo estratégico alheio e oposto ao do proletariado. O movimento pequeno-burguês não tem como, isolado da classe operária organizada, confrontar Bolsonaro no terreno da luta de classes.

O POR foi obrigado a constituir uma frente, embora ultra-limitada, em defesa do programa próprio, e da rejeição à estratégia burguesa, devido ao alinhamento generalizado das esquerdas à bandeira do “Fora Bolsonaro”. Todas que estão na Campanha Nacional Fora Bolsonaro, sem exceção, se negaram a se pronunciar contra ou a favor à convocação de um Dia Nacional de Luta, preparado por assembleias e formação de comitês de empregados e desempregados. Ignorar essa defesa do POR foi uma conduta típica do oportunismo e do aparelhismo.

A experiência foi demonstrando que a defesa da estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro” se contrapunha, na prática, à defesa do programa de reivindicações da classe operária e dos demais trabalhadores. Passo a passo, os marxista-leninista-trotskistas foram expondo e trabalhando na convocação das manifestações com base nas reivindicações vitais das massas, na independência política e no método da luta de classes. Nesta 4ª manifestação, o POR concentrou sua atenção na defesa de uma Carta de Reivindicações, que deveria ser aprovada nas manifestações e conduzida para um Dia Nacional de Luta, com paralisações e bloqueios, como parte da preparação da greve geral.

Um balanço sério e honesto dos acontecimentos ocorridos neste período de Pandemia e de avanço da crise social exige das correntes que apresentem um balanço particular de sua própria política. É o que o POR tem feito, como parte ativa do movimento, desde antes da quebra da passividade das direções em 29 de maio. Nossa linha está à vista de todos, pode ser analisada e criticada à luz dos acontecimentos pelas demais correntes. Se não o fazem, é porque necessitam ocultar sua própria política oportunista.

O movimento chegou ao ponto em que um balanço objetivo leva à conclusão de que é preciso urgentemente mudar a linha, libertando-se da estratégia burguesa, e edificando a estratégia proletária, que se assenta na organização independente dos explorados sobre a base de suas reivindicações e de seu método próprio de luta.

 

Comitê Central do Partido Operário Revolucionário