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19 ago 2021
Manifesto do Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional – CERQUI
Derrota do imperialismo no Afeganistão
Defesa incondicional da expulsão do imperialismo e da autodeterminação da nação oprimida
19 de agosto de 2021
Há 20 anos, em 7 de outubro de 2001, em resposta aos ataques terroristas da organização Al Qaeda (que operava no Afeganistão) contra o World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001, o imperialismo norte-americano e aliados da OTAN ocupavam militarmente o Afeganistão, um país mergulhado no atraso, e historicamente marcado pelos violentos conflitos políticos, religiosos e étnicos. Mas, geograficamente estratégico para as movimentações dos monopólios, visando a cercar a Rússia e a China, e controlar as riquíssimas fontes de matérias-primas, especialmente petróleo, gás e minerais, que estão na base da luta pelo controle das riquezas nacionais e dos mercados. Esses são os fatores que vêm impulsionando as convulsões mundiais, por uma nova partilha do mundo, devido ao esgotamento daquela realizada após a Segunda Guerra Mundial.
Em maio, Biden decretou a retirada das tropas norte-americanas do país. Em junho, começou o deslocamento de forças militares para países da região e Europa. A administração democrata nada mais fazia do que assumir o cumprimento prático dos acordos assinados em Doha (Qatar), entre Trump e o Talibã. Logo após começar a retirada, os talibãs desfecharam uma ofensiva militar pela conquista do país e que, em 15 de agosto, culminou com a tomada da capital do país, Cabul, e a dissolução do último governo preposto pelo imperialismo.
A retomada do poder pelo Talibã levou uma fração da burguesia e da grande imprensa a criticar a decisão de Biden. Lembraram a brutal perseguição religiosa, e a rígida aplicação dos códigos da Sharia (lei islâmica), que incluíam a amputação de membros, e até a morte, contra os “infiéis” e “corruptores estrangeiros”, praticadas nos anos de governo do Talibã (1996-2001). Serviram-se das imagens do desespero de dezenas de milhares de famílias afegãs, procurando uma via para sair do país, atemorizadas pela constituição de um novo governo islâmico fundamentalista.
O retrato da barbárie social e das trágicas consequências da ocupação militar foram repetidas fartamente. Mas, não se expuseram as raízes econômicas, nem as relações sociais que estiveram na base do intervencionismo: a imensa riqueza e superioridade industrial e comercial das potências nada mais fazem que espelhar as condições de atraso, raquítico desenvolvimento de forças produtivas, e miséria e fome que predominam nas semicolônias oprimidas pelo imperialismo.
O certo é que a “guerra ao terrorismo internacional” e a bandeira de civilizar os bárbaros não passaram de máscara a serviço dos monopólios e do capital financeiro, cuja voracidade cresce, na medida em que se agravam as contradições do capitalismo em decomposição. A caçada e assassinato de Osama Bin Laden e outras lideranças da Al Qaeda acobertaram as reais intenções da ofensiva imperialista, de impor governos títeres, ajustados a uma caricatura de democracia formal, e de apresentar a intervenção como se fosse uma via de “democratização” dos países, e de solução à sangria das guerras tribais e choques étnicos.
Mas, apesar dos astronômicos gastos (mais de 2 trilhões de dólares), bem como a morte de 2,4 mil soldados norte-americanos e 111 mil civis afegãos (um balanço completo do desastre ainda está por ser feito), não houve como o imperialismo impor uma mudança das condições sociais e políticas, que permitisse estabelecer o domínio militar do país, e estabilizar o regime político ajustado aos seus interesses. Porém, as potências se valeram da “guerra ao terrorismo”, para favorecer as frações da burguesia industrial-comercial e do capital financeiro, fortalecendo seu parasitismo – o governo norte-americano “deve” mais de US$ 500 bilhões, em juros, pelos “empréstimos de “guerra” – e possibilitando fabulosos negócios à indústria militar.
A resistência da guerrilha do Talibã teve a seu favor a demonstração de que a ocupação imperialista tão-somente contribuía para agravar o atraso econômico do país e a miséria das massas. Não demorou muito para ficar claro que não haveria como derrotar um movimento nacionalista, que deitou profundas raízes na turbulenta história do Afeganistão e na população oprimida, apesar de a coligação imperialista, expressa pela OTAN, contar com um gigantesco poderio militar. Não havia, tampouco, como impor uma forma de governo e um regime político estranho às particularidades da estruturação histórica, social e econômica do país, marcado pelo atraso, pela sobrevivência de modos de produção semifeudal e pré-capitalistas, sobre os quais se conservam o severo patriarcalismo, e se assenta o obscurantismo religioso. As massas camponesas, as diversas tribos e os explorados em geral, que sofreram na carne o real conteúdo da “democracia imperialista” (violência, assassinatos em massa, saque de riquezas, etc.), nunca se prontificaram a defender o governo preposto. O que explica o rápido avanço das forças do Talibã, e a dissolução do governo de plantão, assim que Joe Biden autorizou a retirada das tropas norte-americanas e da OTAN do país. A falta de apoio popular à sua permanência, assim como a negativa das massas a defendê-lo (setores do exército e da população celebraram a vitória dos Talibãs), mostraram que a vitória dos jihadistas só foi possível porque continuaram a expressar as profundas tendências anti-imperialistas das massas afegãs.
Há, todavia, um fator de relevância mundial que condicionou a decisão do imperialismo. Trata-se do agravamento das contradições que resultam da guerra comercial e da ampliação dos choques entre o imperialismo norte-americano, com a China e a Rússia, pela repartição de territórios e mercados mundiais, que entraram em uma nova fase de desenvolvimento. Condições essas que empurram o imperialismo norte-americano a reorientar os esforços bélicos e econômicos ao objetivo de fortalecer suas posições em países e territórios estratégicos, sob intensa disputa concorrencial.
Como podemos observar, não passa de hipocrisia dos carniceiros e algozes das nações oprimidas, as lamentações sobre o trágico destino do povo afegão. As massas do país conhecem muito bem as vicissitudes da democracia imperialista, e o seu real conteúdo de classe: a brutal opressão social e nacional, em benefício de um punhado de parasitas que sangram países, derrubam e impõem governos. Basta também assinalar que a saída às pressas das delegações diplomáticas das potências, enquanto deixavam, à própria sorte, milhares de civis que prestaram seu apoio às forças militares estrangeiras, para demonstrar o real valor do compromisso dos imperialistas com seus subservientes.
O essencial está em compreender que a ocupação militar e a imposição de governos continuarão sendo os métodos largamente aplicados pelo imperialismo. Na sua fase de decomposição, está obrigado a violentar permanentemente a soberania nacional, e a passar por cima das fronteiras nacionais, em cuja base está a lei econômica de exploração do trabalho e a opressão nacional. Os EUA se destacam em sua violência, apenas por serem a potência dominante da economia mundial. Anteriormente, até a Primeira Guerra Mundial, se destacou a Inglaterra, seguida da França, Alemanha, e Itália, principalmente.
O fundamental, para os marxistas, está em assimilar as lições da luta de classes mundial, compreendendo o movimento e conteúdo real das forças sociais que agem por trás de cada conflito militar, de cada guerra civil, e dos levantes operários e populares. Quer dizer, em estabelecer o programa, defender os métodos, e desenvolver as táticas que permitirão impulsionar a luta de classes, e erguer o proletariado em força social revolucionária.
A primeira delas, é reconhecer que o agravamento da opressão nacional marca a fogo a nova etapa da luta de classes mundial, que se abriu com a explosão da crise estrutural do capitalismo, em 2008, e que, com refluxos conjunturais, deu um salto à frente, com a explosão dos levantes operários e populares em 2019, criando condições para a maioria nacional oprimida travar a luta pela defesa de suas reivindicações vitais, e dar passos no caminho da luta anti-imperialista.
A segunda, é que se deve apoiar incondicionalmente os movimentos que encarnem o levante instintivo dos oprimidos contra a opressão social e nacional. Ainda que que pese aos “moralistas”, que vestem a roupagem do marxismo, é um princípio irrenunciável para os revolucionários, que sempre se colocam do lado das massas oprimidas contra seus opressores, apesar do reacionarismo e obscurantismo religioso, que possam adotar suas direções e métodos de luta particulares, como é o caso do Talibã. Trata-se de defender incondicionalmente a expulsão do imperialismo e a autodeterminação da nação oprimida.
A terceira, é entender que a permanência da violência imperialista contra os povos e nações oprimidas decorrem do retrocesso das conquistas revolucionárias, produto da destruição pelo estalinismo dos alicerces programáticos, políticos e organizativos, sobre os quais se constituiu a III Internacional, como Partido Mundial da Revolução Socialista. A invasão da ex-União de República Socialistas Soviéticas ao Afeganistão, em 1979, por sua vez, mostrou o quanto o estalinismo estava disposto a sacrificar a autodeterminação nacional, quando se tratava de manter, sob seu controle, países que deviam servir de proteção às suas fronteiras nacionais. A direção da IV Internacional, que se ergueu sob a defesa do programa e dos métodos da revolução socialista, quando da destruição da III Internacional, após o assassinato de Trotsky, mostrou-se impotente e incapaz de cumprir a tarefa de penetrar no proletariado, e forjar os partidos-programas, que serviriam de canal de organização revolucionária das massas exploradas e oprimidas mundiais.
A quarta, e fundamental conclusão, mostra que é possível derrotar o imperialismo e expulsá-lo da nação oprimida. No entanto, sem constituir o partido marxista-leninista-trotskista, e sem elevar o proletariado à condição de classe independente, não se poderá transformar a ocasional derrota imperialista em um passo dos explorados pelo caminho da completa emancipação nacional, cujo fundamento reside na expropriação da grande propriedade privada monopolista, e sua transformação em propriedade social. Somente por esse caminho, as tarefas democráticas dos países atrasados serão resolvidas, e superadas as heranças do patriarcalismo. O problema reside em que o proletariado afegão constitui uma ínfima minoria, e padece da crise de direção revolucionária. Nessas condições, se mantêm as forças sociais conservadoras, que têm suas raízes fincadas no atraso pré-capitalista. Essa particularidade do Afeganistão, no entanto, não deve obscurecer que o proletariado é mundial. A luta pela independência nacional, ainda que esteja sob a direção de uma força nacionalista pequeno-burguesa, faz parte da luta de classes mundial contra a opressão imperialista. É no interior dessas relações contraditórias que emergirá a vanguarda revolucionária no Afeganistão.
É com esse objetivo que a vanguarda deve trabalhar para impulsionar a luta de classes, e construir os partidos revolucionários em cada país. Um passo que se dê nesse caminho, o proletariado avança na tarefa histórica de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional. É sob suas bandeiras, seu programa e seus métodos, que os oprimidos transformarão sua revolta instintiva em política revolucionária. Sob a sua direção, a classe operária afegã, da Ásia Central e do Oriente Médio se separará do nacionalismo islâmico, e lutará contra o imperialismo e seus serviçais.