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10 set 2021
Nota do Partido Operário Revolucionário
Manobra de Temer para salvar Bolsonaro
10 de setembro de 2021
De repente, dois dias depois das manifestações bolsonaristas, da promessa do presidente da República de não acatar as decisões do Supremo Tribunal de Federal (STF), e de ter qualificado o ministro Alexandre de Moraes de “canalha”, eis que surge, dos bastidores da política burguesa, Michel Temer, para ditar a “Declaração à Nação”, assinada por Bolsonaro.
Aparentemente, não existia um nexo lógico entre o discurso golpista de 7 de setembro e os termos da carta de retratação do chefe de Estado. Bolsonaro se explica com a frase lapidar de que suas palavras de provocação a Alexandre de Moraes “decorreram do calor do momento (…)”. É como se os ataques ao STF e, em particular a um de seus ministros, que está encarregado do inquérito sobre as falsificações dos bolsonaristas, não fossem uma mera repetição daquilo que Bolsonaro tem feito reiteradamente. Não poderia haver uma justificativa mais mentirosa e vulgar do que essa, certamente ditada por Temer.
A “Declaração à Nação”, como um todo, é uma peça retórica, incapaz de mascarar o fracasso da movimentação de Bolsonaro e seus generais, no sentido de promover um golpe de Estado. Temer, que conspirou, na condição de vice-presidente, para derrubar Dilma Rousseff e defenestrar o PT, desta vez, agiu diferentemente, vindo em socorro a Bolsonaro, que, da euforia do 7 de setembro, mergulhou, em seguida, na mais profunda depressão.
As gigantescas manifestações de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, acompanhadas por atos e carreatas em todo o país, não fortaleceram o governo. Ao contrário, evidenciaram o seu impasse e incapacidade de alterar o curso da decomposição da governabilidade. A explicação está em que o movimento bolsonarista se limitou a uma fração da classe capitalista, e à arregimentação da classe média alta, sobretudo. A fração mais poderosa do capital se havia pronunciado pela “pacificação” entre os poderes da República. O que implicava arrefecer as articulações do presidente, contrárias às decisões e inquéritos manejados pelo STF. O manifesto organizado pela Fiesp e Febraban, pouco antes de 7 de setembro, se dirigia a Bolsonaro com um apelo para que não insuflasse ainda mais os choques no interior do Estado e nas entranhas da população. De nada adiantou que o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, bloqueasse a sua publicação, sob a pressão do governo, uma vez que o que importava era o fato concreto de poderosos grupos econômicos terem colocado uma pedra no caminho do 7 de setembro.
No dia seguinte à gritaria das massas bolsonaristas, enfeitadas de verde e amarelo, não poderia ser sustentada pelo governo. Para sustentá-la, Bolsonaro e seus generais teriam de avançar no terreno do golpe. O locaute de uma parcela dos caminhoneiros, vinculada aos empresários dos transportes, indicou que essa era a atitude política a ser tomada. Na reunião ministerial do dia 8, apesar de guardada a sete chaves, se pôs um freio nas atitudes tresloucadas de Bolsonaro. Um recuo forçado teria de ser feito, uma vez que as condições econômicas, sociais e políticas não permitiam passar da defensiva à ofensiva. Nada melhor do que procurar o apoio do ex-presidente golpista Temer, que saiu com o moral alto perante os capitalistas, por ter imposto a almejada reforma trabalhista, e deixado o terreno preparado para Bolsonaro concluir a reforma previdenciária.
A articulação de uma frente partidária pelo impeachment de Bolsonaro, incluindo o PSDB, MDB, DEM, PSD e outros, mostrou ao Planalto que, agora, a oposição tinha em suas mãos a acusação de “crime de responsabilidade”, por violação da Constituição e ameaça à harmonia dos três poderes da República. Juntando com as apurações da CPI da Covid, esse novo motivo agravaria ainda mais o isolamento de Bolsonaro das principais forças políticas do país. O recuo, portanto, era um imperativo, tendo em vista que o capital financeiro agiria em apoio a esse deslocamento dos partidos históricos da burguesia. Essa mudança nas forças políticas poderia alterar o controle do governo sobre o Congresso Nacional.
Embora as manifestações de 7 de setembro tenham mostrado um apoio significativo de setores capitalistas e da classe média alta, a imensa maioria da população já não confia, ou está contra Bolsonaro. A Pandemia e a mortandade, que atingiram principalmente os pobres e miseráveis, se encarregaram de golpear o pouco de popularidade que ainda restava ao governo ultradireitista e fascistizante. O que mais pesou, no entanto, foram as demissões em massa, o crescimento exponencial do desemprego, e a insuportável alta do custo de vida. Essas terríveis condições encobriram o miserável auxílio emergencial. As frações mais poderosas dos capitalistas acabaram taxando o governo de incompetente e incapaz de liderar, centralizadamente, as respostas à catastrófica Pandemia. Para os explorados, o governo se mostrou insensível com a dor das famílias, e responsável pelo aumento do desemprego e subemprego. É nesse quadro que se inviabilizou a governabilidade, e se liberaram as forças centrífugas da crise política, caracterizada pela divisão interburguesa e rejeição do governo pela maioria da população.
Bolsonaro, contraditoriamente, contou a seu favor com a política de colaboração de classes da esquerda reformista e pseudo-reformista. Contraditoriamente, porque essa esquerda tomou a frente de um movimento cuja bandeira estratégica é a de “Fora Bolsonaro e Impeachment”; e, ao mesmo tempo, o restringiu a uma camada da classe média empobrecida e da juventude oprimida, mantendo a classe operária à margem. Essa mesma direção colaborou com a aplicação da MP 936, fechou os olhos para as demissões em massa, e manteve no isolamento os movimentos contra o fechamento de fábrica e as privatizações. Durante um ano e três meses, os partidos reformistas e pseudo-reformistas, por meio de suas burocracias sindicais, agiram no sentido contrário a qualquer mobilização dos explorados, seguindo a política burguesa do isolamento social, posta em prática pelos governadores, sob a liderança de João Doria.
Não foi por falta de necessidade de luta, por parte da classe operária e demais trabalhadores, que as manifestações do “Fora Bolsonaro”, em 7 de setembro, tenham ficado muito aquém das anteriores. A maior parte dos trabalhadores, empregados e desempregados, formais e informais, somente entrará na luta contra o governo, se for para defender um programa próprio de reivindicações, dirigido não apenas a Bolsonaro, mas também aos seus exploradores. O governo Temer sobreviveu graças à política de colaboração de classes; e o governo Bolsonaro ainda continua de pé por essa mesma razão política e social.
É sintomático que, no dia 12 de setembro, as forças burguesas de centro-direita realizarão sua primeira manifestação, sob a bandeira do “Fora Bolsonaro”. O slogan do MBL, “Nem Bolsonaro, nem Lula”, tão somente expressa, pela direita, a disputa eleitoral de 2022, tal qual a esquerda reformista, sob outra ótica, vem expressando, principalmente, desde 29 de maio.
O mais importante desses últimos acontecimentos está em reconhecer que a crise política se deve, em grande medida, às divisões interburguesas. E que essas vêm ocorrendo nas condições de bloqueio à classe operária, cujos sindicatos estão aparelhados pela burocracia sindical, que segue a orientação e interesses dos partidos, via-de-regra, reformistas e pseudo-reformistas. Bolsonaro poderá deixar o poder pelo impeachment ou pelas eleições. O fato é que as frações mais importantes da burguesia precisam de um novo governo para administrar a crise econômica, e enfrentar mais à frente a turbulência da luta de classes.
A política de colaboração de classes já deu sinais de que se choca com as necessidades mais prementes dos pobres, miseráveis e famintos. Não há como avaliar o quanto ainda o PT e aliados de esquerda poderão evitar um levante instintivo do proletariado e dos demais explorados. Mas, observa-se um cansaço e uma desconfiança crescente dos explorados diante das manobras políticas e das traições da casta de dirigentes, que se tornou correia de transmissão da política patronal no seio do movimento sindical. A luta pela independência organizativa e política da classe operária e dos demais trabalhadores passa pela defesa das reivindicações mais elementares, aplicação do método da ação direta, e o trabalho sistemático pela mobilização coletiva. O seu norte estratégico é o da luta pelo governo operário e camponês, expressão governamental da ditadura do proletariado.
As divisões interburguesas e a decomposição do governo ultradireitista favorecem a organização e a luta independente do proletariado. A vanguarda com consciência de classe tem de travar o combate, ao mesmo tempo contra os governantes e a burguesia, e contra os obstáculos montados pela política de conciliação de classes do reformismo.