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05 out 2021
Manifestações de 2 de outubro
Confusão e ilusão políticas entre as esquerdas
O que esperar da manifestação de 15 de novembro
4 de outubro de 2021
O fato mais importante do dia 2 de outubro foi a divisão nas esquerdas, que compõem a Campanha Nacional Fora Bolsonaro. É bem provável que o governo tenha zombado e encolhido os ombros, diante dos atos que se mostraram estagnados, em relação ao do dia 29 de maio, quando se originou a quebra da passividade das direções sindicais e políticas. É bem provável também que os partidos oposicionistas de centro-direita viram a reação de agrupamentos petistas e de esquerda contra a figura de Ciro Gomes (PDT) e Fernando Alfredo (PSDB) como um destempero. A interpretação de que houve reação generalizada contra a presença destes e outros representantes dos partidos de centro-direita na manifestação é exagerada.
As vaias a Ciro Gomes, em particular, expressaram mais desespero da ala esquerda, que pretende que a candidatura de Lula não seja amparada por uma frente ampla. Ciro Gomes vem sistematicamente admoestando Lula com palavreado chulo e agressivo. Essa conduta de um presidenciável do PDT não é compatível com a própria linha partidária, definida pelo seu presidente Carlos Lupi, de constituir a frente ampla anti-Bolsonaro. Ciro sabia, no entanto, perfeitamente, que enfrentaria a aversão de parcela das bases petistas e de setores das esquerdas seguidistas à candidatura de Lula. Sabia também que podia dizer que “o povo brasileiro é muito maior que o fascismo de vermelho ou de verde e amarelo”. Isso porque era um convidado dos seis partidos, vinculados à Campanha Nacional do Fora Bolsonaro, que, em 15 de setembro, lançaram um chamado à frente ampla. Sabia também que sua participação estaria escorada na imensa maioria das direções sindicais, inclusive de sua ala mais à esquerda, a CSP-Conlutas. O político da oligarquia tem a perfeita noção de que a rejeição de uma parcela de petistas e seguidores da candidatura de Lula não expressaria a orientação geral das direções sindicais e políticas, empenhadas em constituir a frente ampla. Enquanto estiver claro que Lula poderá ir para o 2º turno contra Bolsonaro, ou até mesmo vencer no 1º turno, o PDT tem enorme interesse na frente ampla. Esse é o motivo maior de Ciro Gomes discursar na tribuna das manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo.
As ilusões de uma parcela de petistas e das esquerdas sobre uma frente de apoio à candidatura de Lula, restrita aos partidos como PT, PCdoB e PSOL – e até mesmo partidos como PDT, PSB e Solidariedade – têm sido o combustível da rejeição à frente ampla. Emergiram nas manifestações de 3 de julho, e se repetiram de maneira mais ampla, neste 2 de outubro, particularmente no ato da Av. Paulista. Para essa fração, a bandeira do “Fora Bolsonaro” coincide com a imensa possibilidade de Lula voltar à presidência da República. O perigo estaria, no entanto, em que essa volta se dê galgada em uma frente ampla. Ao contrário, a posição ultra majoritária da direção do PT e dos aliados é a de que, quanto mais ampla for a frente, melhor será para a eleição de Lula e para a governabilidade, que será muito difícil. Está aí por que o “Fora Bolsonaro”, não apenas coincide com a candidatura de Lula, como também com a necessidade de uma frente ampla.
Essa diferença se vem expressando no movimento, até agora restrito a camadas da classe média, sob a mesma estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment”. O fundo do conflito vem à tona, quando os partidários da eleição de Lula, apresentado como solução para a crise econômica, social e política, se dividem quanto à tática a ser aplicada para a mesma estratégia. O irrealismo da ala esquerda – em relação ao “Fora Bolsonaro” e à eleição de Lula –, em pretender evitar a caminhada da direção do PT e aliados para a frente ampla, é visível. Isso explica o desespero em enxotar das manifestações os convidados, que, para essa ala esquerdista, seriam estranhos, e maculariam a pureza da candidatura de Lula.
A superficialidade e o exitismo de uma corrente como o PCO, que acredita na possibilidade de setores da base do PT, de barrar o avanço da frente ampla, com repúdios como aqueles ocorridos na Av. Paulista, são típicos do infantilismo oportunista. Mais grave ainda tem sido o realismo oportunista do PSTU, que decidiu empenhar-se integralmente na defesa da frente ampla anti-Bolsonaro. Condenou as ameaças de “agressões verbais e físicas” a Ciro Gomes e a outros representantes dos partidos de centro-direita. A CSP-Conlutas – um aparato sindical do PSTU – em sua nota de repúdio, “exige providências por parte da organização da Campanha”. É um pedido para que se reprimam grupos petistas radicalizados e, em especial, o PCO. Isso em defesa da suposta “necessidade de fortalecer a unidade de ação entre todos os que estão nesse momento pelo “Fora Bolsonaro”. Poucas vezes, se viu tanta confusão no campo das correntes centristas, que se reivindicam do socialismo, comunismo, revolução e marxismo.
Dias antes das manifestações de 2 de outubro, o 7º Congresso do PSOL refletiu as disparatas posições, do campo que se denomina de esquerda, termo extremamente aberto e manipulável. Decidiu, por maioria, em um Congresso virtual, em favor da frente ampla, e pelo não lançamento de uma pré-candidatura própria à presidência da República. Internamente, correntes opositoras minoritárias se perderam no emaranhado da política burguesa, em que o PSOL está metido. Não foram capazes de entender a capitulação em curso, diante das pressões eleitorais que se desprendem da crise política interburguesa, no interior da qual Lula emerge como um caudilho, destinado a varrer a ultradireita, e garantir a democracia em abstrato. É sintomático que o PSOL, na voz de Guilherme Boulos, tenha exortado, na Av. Paulista, a frente ampla, sob o argumento de que as diferenças, no momento, são menores que as semelhanças. É bem provável que a sua direção compartilhe da posição crítica do PSTU e CSP-Conlutas às ameaças sofridas por Ciro Gomes. Isso porque está no mesmo campo da imensa maioria das organizações que defendem a frente ampla, como uma forma de supostamente fortalecer o campo geral da oposição a Bolsonaro. No entanto, o PSTU se mostrou contrariado, com o fato do PSOL não se decidir por uma candidatura de esquerda, e deixar em aberto o apoio a Lula já no 1º turno. PCO, distintamente, tanto condena as posições favoráveis à frente ampla, como exige uma clara definição de alinhamento em torno à candidatura de Lula. Em resumo, todos estão pela estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro”, seja pela via do impeachment ou das eleições – dizemos burguesa, porque resultará na constituição de um novo governo burguês (administrador do capitalismo em decomposição) –, seja com a eleição de Lula de centro esquerda, ou de um candidato de centro-direita. No entanto, divergem quanto se a frente deve ser restrita ou ampla. As convergências e conflitos, como se vê, se dão no campo do reformismo e do centrismo, em última instância, no campo da política de centro-esquerda.
É certo que os partidos oposicionistas de centro-direita não jogaram peso, para que se desfigurassem completamente as manifestações do dia 2. A imprensa contabilizou o apoio formal de 21 partidos, portanto da maioria, aos atos pelo “Fora Bolsonaro e Impeachment”. Por que então não se empenharam na convocação e intervenção? O PT e aliados abriram as portas à frente ampla. Os opositores à ampliação da frente Fora Bolsonaro não têm nenhuma força política de aparato, nem capacidade de mobilização de massa. O conflito com Ciro Gomes no dia 2 poderia e pode ser facilmente administrável. A questão está em que os partidos de centro-direita não conseguiram resolver suas candidaturas, ou uma candidatura da denominada terceira via. Fortalecer a Campanha Nacional do Fora Bolsonaro significa impulsionar a candidatura de Lula. A frente ampla somente tem sentido, se for para potenciar a via do afastamento de Bolsonaro pelo impeachment, via essa que, nem o PT, nem Lula, têm interesse.
Há uma expectativa de que a finalização dos trabalhos da CPI da Covid permitirá uma ofensiva da oposição no terreno do impeachment. Se assim ocorrer, é bem possível que as manifestações previstas para 15 de novembro poderão ter uma fisionomia mais definida de frente ampla. As candidaturas e a preparação para as eleições dividem; o impeachment une o campo da oposição. As esquerdas, quando se dividem ou se unificam nesse campo, estão expressando os impasses da crise de governabilidade. Como não se guiam pela estratégia revolucionária do proletariado, expressam os embates no campo de poder da burguesia, ora caminhando mais para a esquerda, ora mais para a direita. A política centrista, por ser pequeno-burguesa, é mais suscetível a essas oscilações. Sob a bandeira burguesa do “Fora Bolsonaro e do Impeachment”, as correntes centristas vão de um lado a outro, desorientando a vanguarda. Esse é o ponto principal do balanço das manifestações de 2 de outubro.
Há um aspecto particular que decorre da essência desse ponto, que contribui para confundir e desorientar. De todas as manifestações, essa foi a em que mais se propagandearam os problemas dos explorados. Discursos, cartazes, balões, faixas, etc. expressaram a carestia, a alta do preço dos alimentos, o desemprego, o aumento das “desigualdades”, e o avanço da fome. As centrais, sindicatos e partidos da Campanha Nacional do Fora Bolsonaro viram que era preciso refletir os noticiários da crise social. Com que objetivo? O de mudar a diretriz do movimento? O de unir os explorados para exigir, imediatamente, do governo e da burguesia, o atendimento das reivindicações concretas? Não! O objetivo foi o de colar em Bolsonaro a responsabilidade da bancarrota do capitalismo, como se o governo da ultradireita não fosse uma criatura da própria burguesia. Como se o problema da inflação, do desemprego e da fome pudesse ser resolvido, mudando um governo burguês por outro, e, assim, mudando a política econômica e social. Está claro que o objetivo foi estritamente eleitoral.
Os reformistas e seu renque de burocratas sindicais jamais levantaram e não levantarão as massas em defesa de um programa próprio de reivindicações. Os centristas ficaram exultantes, porque, no interior do movimento pelo “Fora Bolsonaro”, até que enfim, todos se uniram para papagaiar e propagandear contra o aumento do gás de cozinha, do diesel, do arroz, etc. Uma frente ampla oposicionista, que possibilitasse a intervenção independente dos explorados com suas reivindicações, é um sonho típico dos filisteus esquerdistas. O espetáculo da defesa das condições de vida dos explorados foi bem talhado nos moldes do reformismo, que promete soluções, desde que Bolsonaro não esteja mais no poder. Em outras palavras, desde que as massas ajudem os reformistas a derrotar Bolsonaro nas eleições. Escondem que o poder econômico dos banqueiros, credores da dívida pública, monopolistas e latifundiários continuarão a reproduzir a concentração de riqueza, por cima da pobreza e a miséria estruturais. É típico de toda política burguesa, mas em especial da política reformista, subordinar as necessidades dos explorados às condições ditadas pela administração do capitalismo.
A política do proletariado é oposta à farsa burguesa, manejada em momentos eleitorais. A brutal exploração capitalista do trabalho, o desemprego, o subemprego, a miséria e a fome ditam o programa próprio de reivindicações, e este, por sua vez, dita os métodos, as táticas e a organização da luta. E, obrigatoriamente, o desenvolvimento da luta de classes contra os exploradores e seus governos dita a estratégia revolucionária, encarnada pela vanguarda com consciência de classe. Uma frente de oposição burguesa é incompatível com as necessidades das massas, com o seu programa, sua tática e sua organização próprios do proletariado.
As contradições do dia 2 se explicitaram completamente. Quanto mais se amplia a frente para os partidos da burguesia, mais se nega o programa de reivindicações e as formas de luta das massas. O próprio formato do ato na Av. Paulista, com a distribuição dos carros de som e dos blocos, bem como a decisão de não realizar a marcha, demonstraram um compromisso com a disciplina exigida pela Polícia Militar, ou seja, pelo governador Doria. O formato de aparatos, como se fossem corporações estanques, contrapõe-se à manifestação coletiva, regida pela democracia proletária. Essa disciplina burocrática se acentuou, depois da manifestação de 3 de julho. Trata-se de mais uma evidência de que a sujeição das manifestações à estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro e Impeachment” se choca com a política proletária, que parte do programa de reivindicações dos explorados para se contrapor à política do governo Bolsonaro e à ofensiva dos capitalistas sobre os empregos, salários e direitos.
Esse balanço explica por que as esquerdas se mantiveram e se mantêm subordinadas à direção dos reformistas e da burocracia sindical. Dividem-se confusamente, em torno à tática. Negam-se a lutar por uma frente única classista no interior do movimento do “Fora Bolsonaro”. Desconhecem a bandeira defendida pelo POR de convocação de um Dia Nacional de Luta, com paralisações e bloqueios, para combater por uma Carta de Reivindicações, que una os trabalhadores, e prepare as condições para a greve geral.
O POR interveio em defesa do programa de reivindicações, da estratégia e da tática próprios da classe operária. Certamente, resistiu na contracorrente da maré impulsionada pela frente ampla. O fundamental, porém, está em que, no dia 2 de outubro, o POR lutou pela independência política dos explorados, em relação à estratégia burguesa do “Fora Bolsonaro, Impeachment e eleições presidenciais”.