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12 abr 2022
Declaração CERQUI
Prolonga-se a guerra na Ucrânia
Por que não se chega a um acordo de paz?
É preciso que as organizações operárias tomem uma posição internacionalista
11 de abril de 2022
Os Estados Unidos e seus aliados europeus vêm recorrendo a cenas de destruição da Ucrânia, denúncias de massacres e de qualificação de crimes de guerra, que foram claramente denunciadas como falsificações. No dia 7 de abril, a Assembleia Geral da ONU decidiu, por uma pequena diferença de votos, suspender a Rússia do Conselho de Direitos Humanos (CDH) – dos 193 países membros, 93 votaram sim, 23 não e 58 se abstiveram. É sintomático que 81 países tenham se negado a seguir a proposição dos Estados Unidos.
Qualquer que seja a guerra, é destruidora de bens materiais, forças produtivas e vidas humanas. O que tem sido considerado violação dos direitos humanos não passa de hipocrisia burguesa e pequeno-burguesa. Não há como determinar regras de boa conduta às partes conflagradas. Uma arma fundamental do imperialismo é o controle sobre a imprensa mundial, que serve para divulgar suas mentiras e ocultar as denúncias dos massacres, realizados pelo governo da Ucrânia em Donbass, durante vários anos. Os Estados Unidos, Inglaterra e França – as três maiores potências – causaram horrores no Iraque, no Afeganistão e na Síria, com o intervencionismo militar. E, se se identificar as causas das guerras de intervenção, se encontram os interesses do capital financeiro e dos monopólios, que se chocavam com o nacionalismo de Saddam Hussein, Mohammed Omar, Muammar Kadafi e Bashar al-Assad. Foram guerras movidas pela urgência do imperialismo de romper o protecionismo nacionalista burguês desses países.
Está claro que qualquer nação detentora de reservas petrolíferas e gás e abundantes fontes de matérias-primas estão obrigadas a seguir as diretrizes e as condições de exploração e comercialização, de acordo com os interesses do capital financeiro e dos monopólios; ou, então, enfrentarão o cerco econômico e militar do imperialismo. A guerra civil no Sudão, sem dúvida, é instigada e alimentada pelos Estados Unidos. O motivo: a disputa pelo controle do petróleo.
A Rússia não tem porte econômico para enfrentar uma guerra comercial. Os porta-vozes de Biden, na imprensa norte-americana, gostam de zombar do grau de desenvolvimento da Rússia, dizendo que a sua “economia é menor que a do estado do Texas”. E que a sua ousadia em desafiar os Estados Unidos e sua aliança europeia se deve à sua condição de potência militar. O que não dizem é que a poderosa aliança imperialista vem cercando a Rússia econômico e militarmente, para lhe arrancar o controle das riquezas naturais e acabar com a sua ascendência sobre as ex-repúblicas petrolíferas e detentoras de abundantes estoques de matérias-primas.
A OTAN, como se constata, continuou a ser um aparato militar estratégico para os Estados Unidos, mesmo depois de ter atingido o seu objetivo histórico, que foi o de desmoronar a mais avançada conquista mundial do proletariado – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A ruptura da unidade entre as várias nacionalidades, que se uniram na revolução socialista de Outubro de 1917, abriu caminho para a penetração das forças econômicas e militares do imperialismo, sendo a OTAN o braço armado do capital financeiro e do Estado norte-americano na Europa. A sua participação na invasão do Afeganistão indicou que seu raio de ação não mais se limitaria à Europa. No momento em que agravar o choque dos Estados Unidos com a China, a OTAN será acionada pela aliança imperialista.
A Rússia, por se encontrar em avançado estágio de restauração capitalista, não tem como conservar o fundamento democrático do direito à autodeterminação das ex-repúblicas soviéticas, estabelecido na origem da URSS, sob a direção do partido bolchevique e de Lênin. A Guerra da Chechênia e a da Geórgia resultaram do processo de restauração capitalista e do fortalecimento de interesses particulares das oligarquias burguesas, que foram se constituindo ao longo do processo de degeneração da URSS e de sua integração na órbita do imperialismo. Esse caminho de reconstituição da burguesia trouxe novos problemas econômicos. Os oligarcas das ex-repúblicas soviéticas tenderam a se colocar sob a guarda do imperialismo europeu e norte-americano; e a Rússia tendeu a defender seus interesses econômicos por meio de acordos de subserviência das ex-repúblicas, não excluindo a possibilidade de intervencionismo militar.
É nesse marco histórico e nas condições particulares da decomposição do capitalismo que o governo de Putin decidiu pela intervenção na Ucrânia. Eis por que esse acontecimento – o mais importante depois da Segunda Guerra e da Guerra da Coreia – trouxe à tona as mais profundas contradições da interrupção da transição do capitalismo ao socialismo, iniciada pela Revolução Russa, pela constituição da URSS e pela edificação da III Internacional. O imperialismo impulsiona a guerra comercial, uma vez que se bate com a crise de superprodução, com um gigantesco excedente de capital financeiro e, portanto, com o esgotamento da partilha do mundo, promovida pelos Estados Unidos – a potência vencedora da Segunda Guerra.
O processo de restauração capitalista, impulsionado abertamente desde a década de 1970, deu um fôlego à economia mundial e acomodou os interesses do capital financeiro e dos monopólios. A crise iniciada em 2008, tendo como epicentro os Estados Unidos, o que a distingue das crises anteriores do pós-guerra, obrigou o imperialismo norte-americano a reorientar suas diretrizes internacionais, voltadas ao acirramento da guerra comercial. Um fator substancial para que houvesse a reorientação se encontra na emersão da China restauracionista como potência econômica, que, embora tenha servido aos monopólios, passou a ter um lugar de peso na disputa por mercados e pela influência sobre uma significativa parcela dos Estados nacionais. Não há guerra comercial, sem que se potenciem as tendências militaristas e intervencionistas do imperialismo.
A guerra da Ucrânia antecipou as tendências de choques dos Estados Unidos com a China, tendo por motivo o controle de Taiwan. Em outras palavras, expôs o quanto a guerra comercial está prenhe de militarização das relações mundiais entre as potências em decomposição e as nações que procuram conservar sua independência, como são os casos mais destacados da China e Rússia. Na Ásia, pouco antes do conflito da Rússia e Ucrânia evoluir para a guerra, os Estados Unidos e Inglaterra armaram a Austrália de submarinos atômicos. O pacto Aukus evidenciou a escalada militar na região do Indo-Pacífico. Não há como desvincular o cerco armado no Leste Europeu contra a Rússia, e o que está sendo projetado na Ásia contra a China.
O esgotamento do processo de reintegração de ambos os países – que passaram por heroicas revoluções proletárias e que acabaram por se colocar no caminho da restauração capitalista, por meio da penetração do capital internacional em suas fronteiras nacionais – estabeleceu novas condições de pressão imperialista, assim que a crise mundial atingiu profundamente as economias das potências. A Rússia continuou como economia atrasada em referência aos países imperialistas, mas detentora de uma valiosa e estratégica riqueza natural, que abrange grande parte da região antes controlada pela URSS. E a China se projetou como potência industrial e comercial, estabelecendo uma ligação umbilical com a economia norte-americana. O que vem agravando as contradições entre a necessidade de os Estados Unidos derrubarem a política de capitalismo de Estado do Partido Comunista Chinês, que se ergue como uma muralha protecionista. Há um evidente paralelo com a Rússia, que insiste em manter o controle da exploração, industrialização e comercialização de suas vastas matérias-primas. O que se passa na Ucrânia não é indiferente para a China. A resistência russa ao cerco da OTAN dará mais fôlego ao conflito da China com os Estados Unidos. Uma aliança mais ampla e segura entre a China e a Rússia dificulta a ofensiva norte-americana no Indo-Pacífico. É o que se espera, como resultado da guerra na Ucrânia.
A demora em se alcançar um acordo vem comprometendo a administração da crise econômica pelo imperialismo. As brutais sanções à Rússia não atingem apenas o inimigo, mas a própria aliança europeia, o que expõe as profundas contradições do capitalismo em decomposição. Seus efeitos recessivos e inflacionários têm tudo para ser duradouros. O imperialismo não alcançou uma unidade ao ponto de se lançar diretamente contra a Rússia, e provocar o início da terceira guerra mundial. Tem de se ater ao uso da Ucrânia como bucha de canhão. As tropas russas não puderam derrotar rapidamente a resistência ucraniana. Os motivos são secundários. O fundamental está em que a guerra se prolonga. Os Estados Unidos, em particular, têm interesse em um desastre material e humano, com o qual já está jogando para criar aversão geral das massas à Rússia. O fornecimento de armas, pelas potências, com maior poder de combate ao aparato militar russo não dará vitória à Ucrânia, mas permitirá que as Forças Armadas ucranianas aumentem sua capacidade de resistência, o que pode prolongar a guerra. Essa seria uma possibilidade para o governo Zelenski perder os anéis, preservando os dedos. E o custo em vidas ficaria sob a responsabilidade da Rússia. Se a Ucrânia não estivesse apoiada nos Estados Unidos e em sua aliança europeia, não teria tanta capacidade militar para resistir ao assalto russo. Um acordo, certamente, acabará ocorrendo. Mas, as potências trabalham de forma que a Rússia não saia fortalecida, e reúna capacidade para poder fazer frente à ofensiva imperialista, que não cessará no pós-guerra.
Tudo indica que o governo Zelenski joga com um acordo de neutralidade, sem se comprometer a aceitar a proibição da militarização do país sob o auspício da OTAN. A anexação da Crimeia já é um fato, mas a separação da região de Donbass comparece como parte da defesa estratégica da Rússia no Mar Negro. A independência das proclamadas repúblicas de Donetsk e Luhansk acabará sendo parte da anexação. A quebra dos acordos de Minsk por parte do governo ucraniano e a guerra civil que se desencadeou facilitaram as manobras da Rússia no sentido das anexações. Um acordo de paz nessas condições se tornou difícil. O recuo das tropas russas das imediações de Kiev foi interpretado, pelos porta-vozes do imperialismo, como fraqueza militar, de um lado; e afirmado pelos porta-vozes do governo russo como uma mudança tática voltada ao controle do leste da Ucrânia, de outro. O pleito inicial de Putin, que os Estados Unidos respeitassem o acordo de 1997 – Ato Rússia-OTAN – não passou de propaganda. Putin necessita de um acordo que garanta uma neutralidade da Ucrânia de fato e que reforce suas defesas no Mar Negro, o que implica anexações.
Nas condições em que a classe operária da Ucrânia, da Rússia e do Leste europeu, principalmente, se encontra desorganizada e à margem dos acontecimentos, não há possibilidade de uma paz contraposta à ofensiva dos Estados Unidos-OTAN e ao objetivo anexionista perseguido pela Rússia. Uma paz sem as potências imperialistas e sem anexações somente seria possível nas condições do proletariado se unir em defesa da autodeterminação da Ucrânia, de sua independência perante o imperialismo e do jugo da opressão russa. Essa luta envolve o conjunto das ex-repúblicas soviéticas.
O fato de a crise de direção, que é de ordem mundial, impossibilitar os explorados de se unirem e trilharem esse caminho não elimina as tarefas revolucionárias, que brotam das condições objetivas da decomposição do capitalismo. Ao se revelar as raízes históricas da guerra na Ucrânia, estabelecem-se as tarefas de retomar o caminho da revolução proletária de Outubro de 1917, de constituir as bases sobre as quais se levantou a URSS, de buscar pela democracia soviética, de reconstruir do Partido Mundial da Revolução Socialista e de aplicar os fundamentos internacionalistas do programa marxista-leninista-trotskista.
O CERQUI vem, firmemente, desenvolvendo a campanha por um conjunto integrado de bandeiras: pelo desmantelamento da OTAN e das bases militares dos Estados Unidos, revogação das sanções econômico-financeiras contra a Rússia; autodeterminação, integralidade territorial e retirada das tropas russas da Ucrânia. Os acontecimentos as têm confirmado. E, tudo indica, continuarão vigentes após o encerramento da guerra. Esse conjunto indecomponível permite unificar o proletariado ucraniano, russo e de toda a Europa, o que refletiria sobre o proletariado norte-americano e mundial. Sem que se dê um passo nesse sentido, a guerra de dominação não tem como ser transformada em guerra de libertação, que somente pode ser encarnada pelo proletariado como dirigente da maioria oprimida.
A crise de direção é tão profunda que as direções sindicais são incapazes de mobilizar os explorados, sequer para derrubar as sanções impostas pela ditadura do capital financeiro. O que indica submissão ou adaptação à política de guerra dos Estados Unidos e aliados europeus. As divisões entre as esquerdas, por sua vez, atravancam, inclusive, manifestações unitárias pelo fim da guerra, em contraposição à ofensiva do imperialismo e à violação do direito à autodeterminação da Ucrânia. A defesa intransigente dos fundamentos do internacionalismo proletário e dos princípios marxistas da autodeterminação das nações oprimidas são a base para a vanguarda com consciência de classe se fortalecer no seio do proletariado, dos demais explorados e da juventude oprimida.