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08 jun 2022
Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional
Três meses de guerra na Ucrânia
Destruição, mortes e agravamento da crise mundial
Para conquistar a paz, é preciso pôr fim à presença da OTAN e das bases militares dos Estados Unidos na Europa
7 de junho de 2022
A decisão dos Estados Unidos de entregarem ao governo da Ucrânia armas ainda mais potentes agravará as condições da guerra. O imperialismo age no sentido de que está colocada a derrota da Rússia. Embora nada indique, por enquanto, essa possibilidade, tal objetivo tão-somente corresponde ao cálculo dos estrategistas do Pentágono de prolongar ao máximo possível o confronto militar.
A utilização de mísseis Hirmars hipersônico, de longo alcance e precisão, pelas Forças Armadas ucranianas, exigirá da Rússia uma resposta mais ampla, destrutiva e letal. De nada importa a promessa dos Estados Unidos de que o governo da Ucrânia se comprometeu a não estender a guerra para além de suas fronteiras. O fundamental está em que o novo armamento impulsionará a escalada do confronto, da destruição e das mortes. Esse é o caminho para ultrapassar os marcos em que se desenvolve a ofensiva russa para controlar Donbass e a respectiva resistência ucraniana.
Está claro que o Pentágono pretende usar a Ucrânia como laboratório para o Hirmars da Lockheed Martin Missile, cujo custo é de US$ 5,6 milhões. Para gastos tão elevados, Biden conta com US$ 33 bilhões. O ostensivo intervencionismo do imperialismo norte-americano em defesa do ingresso da Ucrânia à OTAN foi o principal fator que levou Putin a decidir pela invasão militar, em 24 de fevereiro.
Não se tinha, no momento, a dimensão que tomaria a guerra. Mas, logo se observou que seria longa, destruidora e sangrenta. As tropas russas não apenas enfrentariam um país débil econômico e militarmente – guardadas as devidas proporções -, mas também enfrentariam uma ampla aliança imperialista, sob a direção dos Estados Unidos e de seu braço armado na Europa, a OTAN. Putin e o comando geral das Forças Armadas não podiam se valer da máxima capacidade destrutivas – não nos referimos às armas atômicas – para impor uma rápida vitória.
Os limites políticos de uma guerra são dados pela situação mundial e pelas condições das forças em confronto. A ex-URSS e, em seguida, a Rússia acumularam duras experiências de guerra, a do Afeganistão (1979-1989) e a da Chechênia (1991-1996). Um fato está em os Estados Unidos promoverem a destruição e matança no Iraque; outro, seria a Rússia fazer o mesmo na Ucrânia.
A aliança imperialista armou um cerco político em todo o mundo, e, principalmente, na Europa, para estreitar a ação militar das Forças Armadas da Rússia. Mesmo assim, o governo Zelenski e a aliança norte-americana fizeram um estardalhaço sobre uma suposta execução massiva de prisioneiros pelos soldados russos – suposta porque não foi comprovada. A campanha política, para condenar a Rússia e livrar os Estados Unidos, potências europeias e o governo títere da Ucrânia da responsabilidade sobre os conflitos que confluíram para a guerra, foi montada por toda uma estrutura de Estados ocidentais, para alcançar todas as latitudes do mundo.
A propaganda política em dimensões gigantescas serviu de cortina de fumaça não apenas para apresentar o imperialismo como amante da paz, dos direitos humanos e da independência da Ucrânia contra a tirania russa, mas também para justificar o envio de armas e de recursos financeiros ao governo Zelenski, bem como para justificar as medidas de sanções à Rússia, até então desconhecidas por sua amplitude e por suas consequências deletérias à economia russa e mundial. A exigência do governo Putin, no fundo, consistia em limitar o cerco da OTAN, que se fortaleceria com a inclusão da Ucrânia e atentaria contra a segurança da Rússia, isso depois de ter violado todos os acordos de que a OTAN não se estenderia além da Alemanha. Tratava-se de uma questão antiga, que vinha desde a “Guerra Fria”, e que tomou proporções cada vez maiores com a desintegração da URSS, as tendências centrífugas que resultaram em rompimento da unidade das nacionalidades e o avanço da restauração capitalista.
As forças econômicas do imperialismo, valendo-se do fracasso da política do “socialismo em um só país” e da “coexistência pacífica” com o imperialismo, tiveram um papel decisivo no processo regressivo das transformações revolucionárias, iniciadas com a Revolução de Outubro de 1917. Seus interesses somente poderiam prosperar, após a Segunda Guerra, com a liquidação da URSS, levada a cabo pela própria burocracia herdeira do estalinismo, dividida, corrompida e completamente decomposta. Eis por que agravou em escala impensável a opressão nacional sofrida pelas inúmeras nacionalidades. A constituição de novas fronteiras nacionais na Eurásia, antes coberta pela unidade, ainda que golpeada pela burocratização e pela centralização autoritária do Kremlin, facilitou enormemente a penetração das forças econômico-militares, impulsionadas pelos Estados Unidos e União Europeia, sob a guarda da OTAN.
O imperialismo foi ganhando terreno paulatinamente, a começar pela assimilação da Alemanha Oriental, pela reintegração das ex-repúblicas populares do Centro e Leste Europeu e das ex-repúblicas soviéticas do Báltico. A intervenção da Rússia no conflito separatista na ex-república soviética da Geórgia evidenciou as tendências mais gerais de confrontos alimentados pela projeção das forças imperialistas na Eurásia. Tendências essas que se manifestaram na crise ucraniana em 2014, e que acabaram dando lugar à atual guerra.
Desde a crise mundial dos anos de 1970, os Estados Unidos se viram na contingência de apertar o cerco a URSS. A OTAN se mostrou fundamental para a consecução desse objetivo. Desde esse momento, a guerra comercial se potenciou, motivada pelo esgotamento da partilha do mundo estabelecida no fim da segunda conflagração mundial. As forças produtivas, reconstruídas sob a chefia dos Estados Unidos, passaram a se chocar com as relações capitalistas de produção, como já havia ocorrido na eclosão da Primeira Guerra Mundial.
As potências europeias retardaram o quanto puderam a ofensiva norte-americana para submeter a Ucrânia à OTAN. A desintegração da URSS havia aberto caminho para os seus capitais, acordos comerciais e, sobretudo, garantia de abastecimento de petróleo e gás a um preço competitivo. A Alemanha foi uma das nações ganhadoras. As potências europeias acreditavam que não havia motivo para colocar a Rússia contra a parede, valendo-se da OTAN. Diante da progressão no terreno econômico, aberto pelo processo de restauração capitalista e desmantelamento da URSS, entendiam que não exigia uma franca ofensiva militar, a não ser por parte da Inglaterra, que perdeu projeção mundial e se tornou uma ponta de lança dos Estados Unidos na Europa.
Os três anos de acirrada crise mundial, de 2007 a 2009, nas condições de emersão da China como potência econômica, colocaram em um patamar mais elevado a guerra comercial. Os dois flancos dos choques de interesses econômicos se concentraram precisamente na China e na Rússia. Ambos se ergueram em contraposição ao capitalismo mundial e ao domínio norte-americano sobre a base das revoluções proletárias. E ambos adentraram ao processo de restauração capitalista, adaptando-se às pressões do mercado e do sistema financeiro mundiais. Enquanto os interesses do imperialismo, em particular os dos Estados Unidos, foram em certa medida atendidos, se manteve a máscara da convivência pacífica, dos interesses mútuos e da ordem global multipolar. Isso quando avançava-se com suas bases militares no mundo. Sua própria crise, decomposição e desintegração econômica abriram o curso da transformação da guerra comercial e guerras militares.
A guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, em 2003, assinalou uma mudança significativa na ordem mundial. A intervenção no Afeganistão (2001) já havia indicado as profundas tendências bélicas encarnadas pelo imperialismo norte-americano. Mesmo assim, a China e a Rússia se colocaram por detrás do imperialismo, sob a justificativa de combater o terrorismo islâmico. Não tardou para que esse alinhamento se mostrasse conjuntural e insustentável. Os Estados Unidos, ao se tornarem o epicentro da crise mundial, recrudesceram a guerra comercial e o intervencionismo militar. As multinacionais e o capital financeiro necessitam romper o controle da Rússia sobre uma parcela significativa dos recursos naturais, principalmente a do petróleo e gás. O que vem resultando em disputa territorial, que envolve as ex-repúblicas soviéticas.
É nesse marco de agravamento da crise mundial e da violenta guerra comercial que se chegou à guerra da Ucrânia. E que se potenciam as tendências bélicas em torno à China, envolvendo Taiwan e Hong Kong. Biden justifica o envio de armamentos mais avançados ao governo de Zelenski, afirmando que não pretende capacitar a Ucrânia para atacar além de suas fronteiras. E que não quer “prolongar a guerra apenas para fazer a Rússia sofrer”. Essa farsa não tem como ocultar que os Estados Unidos usaram e vêm usando a Ucrânia como bucha de canhão para seus objetivos expansionistas na Eurásia. As pressões para que a Finlândia e a Suécia se incorporem à OTAN em plena guerra são mais um fator de que o cerco à Rússia vai continuar avançado, independente do acordo que possa vir a ser feito. É do interesse explícito dos Estados Unidos o prolongamento da guerra. O que vem causando críticas e fissuras no interior dos Estados Unidos e da aliança europeia. Os poderosos reflexos da guerra na crise econômica mundial, que mal convalescia dos impactos da crise sanitária, se fazem sentir globalmente. A perspectiva é da retomada da recessão, tendo à frente os próprios Estados Unidos. As massas são as que arcam com o maior peso do desemprego, da alta do custo de vida e da desvalorização da força de trabalho.
O problema está em que a classe operária europeia e mundial não despertou para o significado mais profundo da guerra da Ucrânia, que corresponde às tendências bélicas encarnadas pelo imperialismo, responsável pelas duas guerras mundiais. Essa dormência reflete a grave crise de direção, que tomou forma com a degeneração estalinista do Estado Operário, liquidação da III Internacional, avanço do processo de restauração capitalista e desmoronamento da URSS.
Agora, os explorados se deparam com o empobrecimento e miserabilidade. Cresce a necessidade de se defenderem coletivamente, com suas reivindicações, método de luta e organização independente. Tem muita importância revelar ao proletariado e à maioria oprimida a responsabilidade dos Estados Unidos e sua aliança pela guerra e por seu prolongamento, sem se descuidar de condenar a opressão nacional exercida pela Rússia restauracionista sobre as ex-repúblicas soviéticas.
O CERQUI vem fazendo uma campanha sistemática pelo fim da guerra, sob um conjunto de bandeiras interligadas: desmantelamento da OTAN e das bases militares norte-americanas, revogação de todas as sanções contra a Rússia; autodeterminação, integralidade territorial e retirada das tropas russas da Ucrânia. Afirmou e afirma que somente a classe operária unida pode derrotar a bárbara ofensiva do imperialismo, pôr abaixo a política serviçal do governo oligarca de Zelenski, conquistar a autodeterminação da Ucrânia e combater toda forma de opressão nacional exercida pela Rússia.
Diante da política norte-americana de prolongar a guerra e da determinação do governo russo de controlar parte do território ucraniano pela força das armas, não é possível se chegar a uma paz que afaste os perigos do cerco a OTAN à Rússia e que assegure a integralidade territorial da Ucrânia, como expressão do direito à autodeterminação da nação oprimida.
O CERQUI chama a classe operária e à vanguarda com consciência de classe a lutarem contra o prolongamento da guerra, e por uma Paz sem o imperialismo e a OTAN. Pela unidade da classe operária europeia e mundial sob a estratégia da revolução proletária e dos Estados Unidos Socialistas da Europa.