• 20 ago 2016

    76 anos do assassinato de Leon Trotsky

20 de agosto de 2016

As duas partes publicadas abaixo foram extraídas da introdução aos escritos “Os gângsteres de Stálin”, feita pela Fundação Friedrich Engels. Em 24 de maio de 1940, as 4 horas da madrugada, a casa de Trotsky foi invadida pelo pintor Alfaro Siqueiros, comandando um bando de estalinistas, que imobilizaram os seguranças e metralharam o quarto onde Trotsky dormia. Por uma fração de segundo, escapou do fuzilamento. Trotsky responsabilizou Stálin, a GPU e seus sicários mexicanos. Apesar de toda a denúncia internacional e da certeza de que Stálin estava decidido se livrar do seu principal opositor revolucionário, em 20 de agosto de 1940, Ramón Mercader traiçoeiramente assassinou Trotsky.

                O livro “Os gangsteres de Stálin” constituiu um documento histórico imprescindível para a luta revolucionária dos verdadeiros socialistas.   

 

Uma vida dedicada à causa do socialismo

 

Na história do movimento operário, seguramente, não existiu um dirigente revolucionário tão perseguido como Leon Trotsky. Encarcerado e deportado pelo Estado czarista em sua juventude, quando se tornou em organizador da Liga Operária do sul da Rússia, novamente julgado e deportado para Sibéria depois da Revolução de 1905, Trotsky viveu sempre sob o fogo da repressão capitalista. Durante a primeira guerra mundial, foi expulso da França por fazer propaganda antibélica e internacionalista. Também passou pelos cárceres espanhóis antes de sua estada forçada nos Estados Unidos, em poucos meses novamente foi encarcerado no Canadá, quando se dirigia à Rússia revolucionária na primavera de 1917.

A repressão da burguesia mundial a Trotsky não é senão a expressão da hostilidade geral dos capitalistas contra as ideias do marxismo. Perseguição que se multiplicou com a sanha da calúnia, da injúria e, finalmente, assassinado pelo estalinismo, o que indica que não há precedentes na história.

Para várias gerações de comunistas, desorientados pelas mentiras oficiais do estalinismo, Trotsky era o diabo; o colaborador do fascismo, o “louco ultraesquerdista”, que como um profeta delirante falava da “revolução mundial”, sem entender de “condições objetivas”. O único que ousava criticar o regime burocrático “fazendo o jogo do imperialismo”, mas por mais calúnias que o estalinismo tenha lançado contra Trotsky, seu pensamento político, suas ideias resistiram à prova dos acontecimentos, enquanto os regimes burocráticos da União Soviética e do Leste Europeu, que perverteram o marxismo, se desintegraram e os herdeiros políticos dos velhos burocratas se tornaram uma nova burguesia nestes países. Trotsky explicou em A Revolução Traída, escrito em 1936, que a sobrevivência do regime estalinista constituía uma ameaça mortal às conquistas da revolução. Suas previsões se cumpriram com exatidão matemática. Hoje, os antigos burocratas da Rússia, Polônia, Hungria, Checoslováquia e outros países, que fizeram carreira política nos impropriamente chamados “Partidos Comunistas” oficiais, não tiveram nenhum problema em apoiar as privatizações, o saque da propriedade estatal, as demissões massivas de trabalhadores e liderar a restauração do capitalismo para assegurar novos ganhos e privilégios.

 

Crítica ao estalinismo

 

Trotsky foi o primeiro marxista que desenvolveu a análise e a crítica do fenômeno estalinista. Ao abordar a questão da degeneração da revolução, foi extremamente cuidadoso em utilizar o método dialético por meio de aproximações sucessivas, especialmente quando se tratava de um fenômeno histórico inédito que nunca antes havia sido considerado por nenhum teórico marxista. O caráter peculiar da burocracia como casta dominante usurpadora deu lugar a todo tipo de contradições.

A burocracia, que havia expropriado politicamente a classe operária, por sua vez, se baseava na forma de propriedade nacionalizada pela revolução. Via-se obrigada a falar em nome do bolchevismo, ainda que, ao mesmo tempo, pisoteasse uma ou outra vez todas suas tradições. Para silenciar toda crítica, era essencial eliminar todos aqueles que pudessem apontar com o dedo acusador e recordar às massas ou aos próprios burocratas como eram as coisas antes.

O caráter usurpador da casta dominante, a natureza de seus privilégios e vantagens, a contradição evidente entre as proclamações “socialistas” e a desigualdade crescente faziam com que os novos burocratas se sentissem inseguros. Tal insegurança e medo perante as massas, os empurrava à procura de segurança à sombra de um “homem forte”, que silenciasse a oposição. Não se podia duvidar do “homem forte”, já que pôr em dúvida o chefe significava pôr em dúvida a própria burocracia.

A eliminação física de toda oposição, real ou potencial, e a implantação de um regime totalitário eram as pré-condições para a consolidação da burocracia. As particularidades psicológicas de Stálin e sua megalomania e crueldade psicopata podem explicar o caráter monstruosamente grotesco que imprimiu às perseguições, mas não o fenômeno em si.

 

 

 

A passagem abaixo é parte de um documento redigido por Trotsky, cuja conclusão foi na data em 17 de agosto de 1940. Faz parte dos escritos reunidos na publicação “Os gângsteres de Stálin”.

 

O Comintern e a GPU

                O atentado de 24 de maio e o Partido Comunista do México

                                               Leon Trotsky

 

Premissas políticas

 

Este documento pretende objetivos judiciais e não políticos. No entanto, a ação criminosa do chamado Partido “Comunista” mexicano decorre de motivos políticos. O atentado de 24 de maio teve um caráter político. Não se pode compreender a mecânica deste crime, e ainda menos os motivos causais de seus cúmplices, sem descobrir, ainda que em grandes traços, o subterrâneo político do atentado.

Atualmente, a opinião pública já não duvida que o atentado foi organizado pela GPU, órgão principal da dominação de Stálin. A oligarquia do Kremlin tem um caráter totalitário, isto é, que subordina todas as funções sociais, políticas e ideológicas da vida do país e destrói as menores manifestações de crítica e de opinião independente. O caráter totalitário da política do Kremlin não deriva do caráter pessoal de Stálin, mas da situação da nova casta dirigente diante do povo. A revolução de Outubro perseguia duas tarefas conjuntas: 1) a socialização dos meios de produção e o aumento, mediante a economia planificada, do nível econômico do país; 2) a criação, sobre essa base, de uma sociedade sem diferenças de classe, portanto, sem burocracia profissional, uma sociedade socialista administrada pela totalidade de seus membros. A primeira tarefa foi realizada em seus aspectos básicos; as vantagens da economia planificada, apesar da influência do burocratismo, se revelaram com uma força indiscutível. O problema do regime social é diferente. Em vez de aproximar-se do socialismo, afasta-se dele. Em virtude de causas históricas, que não trataremos aqui, sobre as bases da Revolução de Outubro, desenvolveu-se uma nova casta privilegiada, que concentra em suas mãos todo o poder, e devora uma parcela cada vez maior da renda nacional. A situação desta casta é profundamente contraditória.  Verbalmente, atua em nome do comunismo. Em realidade, luta por seu ilimitado poder e seus imensos privilégios econômicos. Rodeada por desconfiança e inimizade das massas enganadas, a nova aristocracia não pode admitir a menor trinca em seu sistema. No interesse de sua própria conservação, se vê obrigada a estrangular os menores contatos com a crítica e a oposição. Daí a sufocante tirania, a escravidão geral diante do “caudilho” e da hipocrisia não menos geral. Daí também o gigantesco papel da GPU como instrumento de domínio totalitário.

O absolutismo de Stálin não se apoia sobre a autoridade tradicional da “graça divina”, nem sobre a “sagrada” e “inviolável” propriedade privada, mas sobre a ideia da igualdade comunista. Isto priva a oligarquia da possibilidade de justificar sua ditadura com qualquer prova sensata e convincente. Tampouco pode referir-se, em sua justificativa, ao caráter “transitório” de seu regime, porque a questão não se apoia em que a igualdade não esteja realizada em sua totalidade, mas sim em que a desigualdade cresce continuamente. A casta dirigente se vê forçada a mentir, maquiar, disfarçar e atribuir a seus críticos e a seus adversários, sistematicamente, motivos diametralmente opostos àqueles que os animam. A todos aqueles que atuam em defesa dos operários e contra a oligarquia, o Kremlin os aponta imediatamente como partidários da restauração capitalista. Esta mentira estandardizada não é casual: desprende-se da situação objetiva desta casta, que encarna a reação jurando pela revolução. Em todas as revoluções passadas, a nova classe privilegiada pretendeu livrar-se da crítica esquerdista com uma fraseologia pseudo-revolucionária. Os termidorianos e bonapartistas da grande revolução francesa perseguiam e julgavam todos os verdadeiros revolucionários (jacobinos) como se fossem “monarquistas” e agentes do governo reacionário britânico de Pitt. Stálin, portanto, não inventou nada novo. No entanto, levou o sistema das falsificações políticas ao limite extremo. A mentira, a calúnia, a perseguição, as falsas acusações e as comédias judiciais são uma consequência necessária do caráter usurpador da burocracia na sociedade soviética. Sem se compreender tudo isto, não é possível compreender nem a política interior da União Soviética, nem o papel da GPU na arena internacional.

Lênin, em seu “Testamento” (janeiro de 1923), propunha afastar Stálin do posto de secretário geral do partido, referindo-se à sua grosseria, deslealdade e inclinação ao abuso do poder. Dois anos antes, Lênin prevenia: “este cozinheiro servirá somente pratos picantes”. No partido, ninguém queria, nem respeitava Stálin. Mas quando a burocracia começou a sentir a gravidade do perigo que a ameaçava por parte do povo, precisou justamente de um caudilho grosseiro e desleal, disposto a abusar do poder em função dos seus interesses. Eis por que o cozinheiro dos pratos picantes se tornou o chefe da burocracia totalitária.

“O ódio da oligarquia moscovita contra mim se origina na profunda convicção de que eu a traí”. Essa acusação tem seu sentido histórico. A burocracia soviética elevou Stálin à condição de chefe, não de uma vez, nem sem vacilações. Em 1924, Stálin era desconhecido dos amplos círculos do partido, não dizemos da população, e, como foi dito, não gozava da popularidade nem sequer entre as fileiras da burocracia. A nova casta dirigente tinha a esperança de que eu assumisse a defesa de seus privilégios. Nesse sentido, realizaram-se não poucos esforços. A burocracia se inclinou decididamente para o lado de Stálin, assim que compreendeu que eu não tinha a intenção de defender seus interesses contra os operários, e que, ao contrário, estava determinado a defender os interesses dos operários contra a nova aristocracia, então fui considerado “traidor”. Esta denominação, na boca da casta privilegiada, é um testemunho de minha lealdade à causa dos trabalhadores. Não é uma casualidade que 90% dos revolucionários, aqueles que construíram o partido bolchevique, fizeram a revolução de Outubro, criaram o Estado soviético, Exército Vermelho e dirigiram a guerra civil tenham sido exterminados durante os últimos 12 anos, como “traidores”. O aparato estalinista, contrariamente, se encheu, durante este período, de gente que nos anos da revolução se encontravam, em sua maioria, do outro lado da barricada.

Uma mudança análoga sofreu também, durante esse tempo, a Internacional Comunista. O primeiro período do regime soviético, quando a revolução ia de um perigo a outro, quando todas as forças se consumiam na guerra civil, com seu séquito de fome e epidemias, se uniam em diferentes países à revolução e à Comintern revolucionários valentes e desinteressados. Desta primeira onda revolucionária, que demonstrou com fatos nos anos difíceis sua lealdade à Revolução de Outubro não resta na Comintern, literalmente, nem um só homem. À base de contínuas exclusões, opressão econômica, ataque descarado, expurgos e fuzilamentos, o bando totalitário do Kremlin transformou definitivamente a Comintern em seu instrumento submisso. Seu atual quadro de direção, como o de suas seções, se compõe de gente que aderiu, não à revolução de Outubro, mas à oligarquia triunfante, fonte de altos títulos políticos e de bens econômicos.

O tipo dominante entre os burocratas “comunistas” de agora é o carreirista político, em oposição direta ao tipo revolucionário. O ideal daqueles é alcançar em seu país a mesma situação que alcançou na União Soviética a oligarquia do Kremlin. Não são líderes revolucionários do proletariado, mas pretendentes ao domínio totalitário. Sonham alcançar o êxito com a ajuda da burocracia soviética e da GPU. Olham com admiração e desafio a invasão da Polônia, Finlândia, países bálticos e Moldávia pelo Exército Vermelho, porque estas invasões conduzem imediatamente à entrega do poder aos candidatos locais estalinistas à dominação totalitária.

Não tendo fisionomia, nem ideias, nem influência independentes, os caudilhos das seções da Comintern sabem demasiadamente bem que sua situação e sua reputação se conservam e caem juntamente com a situação do Kremlin. Neste sentido econômico, como se demonstrará mais adiante, vivem de migalhas da GPU. Sua luta pela existência se traduz assim em uma desesperada defesa do Kremlin contra qualquer oposição. Não podem eles deixar de compreender a justeza, e finalmente o perigo da crítica proveniente dos chamados trotskistas. Mas isso duplica seu ódio contra mim e meus partidários. Da mesma maneira que seus amos do Kremlin, os líderes dos partidos comunistas não podem criticar as verdadeiras ideias da IV Internacional, ao contrário, se veem obrigados a recorrer a falsificações e superstições, exportadas de Moscou em quantidades ilimitadas. Na atitude dos estalinistas mexicanos não há, assim, nada de “nacional”: traduzem simplesmente para o espanhol a política de Stálin e as ordens da GPU.