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23 jul 2016
23 de julho de 2016
Os marxistas partiram sempre do princípio de que vida sexual diz respeito apenas aos envolvidos. De forma que os revolucionários prescindem de ditar normas, princípios ou uma especial teoria sobre qual o caráter e a forma do amor sexual mais adequado às pessoas e sociedades humanas.
Os marxistas demonstraram, por outro lado, que as noções ideológicas que determinam quais os comportamentos sexuais considerados os únicos “naturais” ou “normais”, são produto de um processo histórico e de determinações econômicas concretas. Na sua base, acha-se a família individual burguesa e o amor sexual heterossexual que servem de veículos à reprodução das relações sociais baseadas na propriedade e apropriação privadas do excedente econômico pelo homem-proprietário. Está aí porque o programa marxista exige avançar à transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social e das tarefas domésticas em tarefas realizadas socialmente para, assim, libertar as relações familiares e a vida sexual das condicionantes que lhe impõem as sociedades de classes.
No entanto, o marxismo teria ainda de passar por lutas intestinas e claras delimitações programáticas contra os contínuos desvios teóricos de correntes, frações e partidos que expressavam as posições idealistas pequeno burguesas ou refletiam revisões antimarxistas à estratégia proletária.
I Internacional: a luta do marxismo contra a pseudoteoria do “amor livre” anarquista
Os anarquistas lutaram no seio da I Internacional por impor suas teorias das “uniões livres” e do “amor livre” como parte fundamental do programa proletário. “Os anarquistas exigem liberdade para tudo, e também para a sexualidade”, afirmara o anarquista italiano Luigi Bertoni, assim como que “a homossexualidade conduz a um sentimento saudável de egoísmo, a que todos os anarquistas deviam ambicionar”. Certamente, Bertoni apenas utiliza o amor sexual homossexual como exemplo da vitória da “livre individualidade” perante as determinações sexuais e morais “impostas” social e coletivamente.
O “amor livre” anarquista se baseava de fato em uma série de atos e práticas individuais à procura da “autoeducação” moral e sexual, abstraindo-os de suas determinações materiais, sociais e históricas. Tratava-se assim de introduzir os germes de novas relações sexuais entre o proletariado e a pequena burguesia e as que, em seu desenvolvimento, chegariam finalmente a romper com o envoltório da família e a moral sexual burguesas. Para os marxistas, ao contrário, a vida íntima era um assunto privado no qual nem o Estado, nem as próprias organizações proletárias deveriam ditar normas, princípios, etc.
No entanto, uma vez colocada a polêmica, será a seção norte-americana liderada por Victor Sorge a que combaterá a pseudoteoria do “amor livre” na figura de sua máxima representante: Vitoria Woodhull. Assim, Sorge demonstrará que o “amor livre” anarquista elevava a vida particular ao nível de uma estratégia revolucionária. De forma que o combaterá dizendo que não se tratava da I Internacional “legislar” sobre a vida íntima ou elaborar um programa sobre qual o caráter do amor sexual entre os explorados. Mas fundamentalmente da formação de uma direção mundial capaz de conduzir a luta revolucionária da classe operária contra o capitalismo na base da defesa de seus interesses comuns.
É nesse sentido que luta de Sorge contra Woodhull refletia, em última instância, a luta travada por Marx e Engels contra Proudhon e seu “individualismo anarquista” pequeno burguês que se opunha à ditadura de classe do proletariado. Está aí por que, como afirmara Marx, não poderia haver conciliação entre o “igualitarismo democrático” anarquista e a “ditadura proletária” defendida pelos marxistas.
II Internacional: a luta da Socialdemocracia contra a criminalização dos homossexuais
A luta travada contra a legislação que estabelecia à homossexualidade como “ato criminoso” constitui um marco no combate dos marxistas contra a discriminação. Luta da socialdemocracia alemã contra a punição contra a homossexualidade, no entanto, refletia um processo de avanço à elaboração de obras literárias e científicas que tratavam largamente da homossexualidade. De fato, existiam em fins do século XIX na Alemanha organizações científicas e círculos políticos que demonstraram que os relacionamentos homossexuais existiram em todas as sociedades antigas e modernas. E que o amor sexual homossexual não entranhava desvio biológico ou social, nem fonte de degenerescências físicas e morais.
Essas organizações, dentre as quais se achavam círculos socialdemocratas, passaram se expressar politicamente na luta do Partido Socialdemocrata contra o Artículo Nº 175 que punia e criminalizava os “atos homossexuais”. Ferdinand Lassalle afirmou que “a atividade sexual é um assunto de gostos e deve ser a eleição de cada pessoa, sempre e quando não afete aos interesses de outra pessoa”. E August Bebel, em uma intervenção no Reichstang (Parlamento alemão) se oporá ao Artículo Nº 175 defendendo o direito dos homossexuais a manifestarem seu amor sexual livremente.
Quando realizado o processo contra Oscar Wilde em 1895, sob a emenda Labouchere (1885), que declarava ilegais às “atividades homossexuais” na Inglaterra, será desta vez Eduard Bernstein (da ala direita da Socialdemocracia Alemã) quem dissera que, “embora o tema da vida sexual pareça de pouca prioridade para a luta econômica e política (…) não significa que não seja obrigatório achar uma norma para julgar esse aspecto da vida social, uma norma que se baseie em um ponto de vista científico e em conhecimentos, ao invés de conceitos morais mais ou menos arbitrários”. Bernstein rejeitava considerar os homossexuais como “antinaturais” porque, dizia, “as atitudes morais são fenômenos históricos”.
III Internacional: Lenin perante os desvios da seção feminina da socialdemocracia alemã
Para Lênin, o amor sexual e a vida íntima eram um assunto de ordem privada. Portanto, não correspondia ao Estado, a sociedade ou sequer aos bolcheviques legislarem ou ditarem normas sobre esses assuntos. Como já o fizesse Sorge contra Woodhull, ele também defendeu que o objetivo fundamental do operariado era preparar a revolução e instaurar o socialismo. De forma que combateu com afinco quaisquer desvios teóricos ou políticos que pudessem afastar as massas desse objetivo.
Está aí porque criticou aos exponentes marxistas que, embora aderindo à estratégia bolchevique, continuavam ainda a manifestar os desvios pequeno burgueses combatidos por Sorge na I Internacional. É o que se desprende da entrevista que Lênin realizara com Clara Zetkin, visando a preparar a resolução sobre a tática e os métodos dos partidos comunistas para desenvolver a agitação e propaganda revolucionária entre as mulheres exploradas para III Congresso da III Internacional. Nela, criticará duramente os desvios das mulheres da seção alemã que realizavam cursos permanentes de formação sobre os princípios e fundamentos do “amor sexual livre”, sob a direção da própria Zetkin.
Lênin chega a caracterizar os cursos e seu conteúdo como antimarxistas e antissociais. Eis: “parece-me que esta superabundância de teorias sobre o sexo brota do desejo de justificar a própria vida sexual anormal ou excessiva do indivíduo ante a moralidade burguesa e reivindicar tolerância para consigo (…) Não importa quão rebeldes e revolucionárias aparentam ser; essas teorias, em última análise, são completamente burguesas… Não há lugar para elas no partido, na consciência de classe e na luta proletária”. A procura de pseudoteorias para avançar à “libertação sexual” sem antes se compreender que a tarefa histórica colocada era a luta pelo socialismo constituíam, para Lenin, uma perda de tempo e abriam passagem aos desvios teóricos. Está aí por que defenderá de que somente a ditadura do proletariado eliminaria “mais preconceitos que a montanha de escritos sobre a igualdade feminina”.
O primeiro Estado operário: marco do avanço à legislação civil e jurídica
A afirmação que acima citamos de Lênin de que somente a ditadura proletária criaria condições para começar a acabar com toda discriminação contra os indivíduos em razão de suas escolhas sexuais, foram amplamente confirmadas com a instauração do primeiro Estado operário do mundo. De fato, uma de suas primeiras medidas foi a de anular as leis czaristas que criminalizavam a homossexualidade.
Segundo Grigori Batkis, diretor do Instituto de Higiene Social de Moscou, “a legislação soviética baseia-se no seguinte princípio: declara uma total ausência de interferência do estado e da sociedade nos assuntos sexuais, sempre e quando não afetem os interesses de nenhuma outra pessoa”. E no que diz “respeito à homossexualidade, sodomia e outras várias formas de gratificação sexual, que na legislação europeia são qualificadas de ofensas à moral pública, a legislação soviética as considera exatamente iguais a qualquer outra forma da chamada relação ‘natural’. Qualquer forma de relacionamento sexual é um assunto privado. Somente quando se emprega a força ou a coação e, geralmente, quando se ferem ou lesem os direitos de outra pessoa, existe motivo de persecução criminal”.
No entanto, quando começou se operar um refluxo do movimento do proletariado e da revolução mundiais, voltaram a surgir elaborações teóricas que defendiam, dentro do Estado operário, os pontos de vista do reacionarismo pequeno burguês. É o que se observa na afirmação que dizia que “a ciência tem estabelecido agora com precisão [que a homossexualidade, NE] não é má vontade ou crime, mas doença”, de Izrael Gelman, no livro “A vida sexual da Juventude Contemporânea”, de 1923. Certamente, tratava-se de um reflexo do avanço da reação burocrática contra o marxismo e da degenerescência interna ao Estado operário e do Partido Comunista. Com o fortalecimento da burocracia como casta parasitária, começou a se restabelecer progressivamente a família individual e seus fundamentos econômicos e sociais, que teriam por objetivo ajudar a manter as diferenciações sociais que surgiram dos privilégios dos quais usufruía a burocracia ao concentrar os palanques do Estado e da economia em suas mãos.
Nota-se, assim, que aos avanços legais e jurídicos que representaram o período de alta revolucionária lhe seguiram um refluxo da revolução mundial e aprofundamento das tendências reacionárias internas à Rússia. Isso explica por que à degenerescência estalinista lhe seguiu o reacionarismo ideológico e um ressurgimento das velhas e de novas pseudoteorias sobre as opressões e as discriminações.
Ao se publicar em 1929 a Grande Enciclopédia Médica da Rússia, a homossexualidade constava como “patologia”, e em 1933 será abertamente declarada como um “ato criminoso”. Nesse mesmo ano, o aborto legal e gratuito, outra grande conquista revolucionária, declarou-se uma “atividade criminosa”.
Combater as discriminações com o programa e os métodos da luta de classes
Temos visto como o marxismo combateu em sua história às diversas pseudoteorias sobre a possibilidade de superar a mentalidade atrasada, conservadora e reacionária sobre a discriminação e perseguição contra os homossexuais pelas reformas jurídicas e a educação sob condições normais de dominação de classe. Ocorre que nenhuma sociedade de classes pode, nem poderá cumprir com o princípio democrático de que a vida sexual é um assunto de ordem privada e diz respeito apenas aos envolvidos. A experiência histórica, por outro lado, também já demonstrou que foi somente com a instauração da ditadura de classe do proletariado, sob a forma do Estado operário e na base da socialização das tarefas domésticas, que se avançou mais longe que qualquer outro Estado burguês em criar as condições para colocar o amor sexual na ordem privada das pessoas.
Mas, também os marxistas não se negaram a lutar contra as perseguições e criminalização contra o amor sexual homossexual no campo das reivindicações democráticas. E combateram contra as discriminações que sofriam os indivíduos pelas forças reacionárias e obscurantistas. Porém, se guiaram pelo princípio da igualdade e pela diretriz histórica da emancipação. Está aí por que a luta contra discriminações e pela igualdade jurídica foi desenvolvida na medida em que levava as classes carentes de direitos civis e sociais elementares ao choque contra o Estado burguês. Mas, fundamentalmente na medida em que levava a organizar a luta coletiva das massas a responder as discriminações e perseguições com o programa que se propõe e coloca acabar com toda forma de opressão.
Sem desconhecer as particularidades que, como tais, deviam ser compreendidas e respondidas por evidenciar a raiz e a base material de toda discriminação, os marxistas respondiam assim às diversas e inúmeras manifestações sociais da opressão de classe com a política e os métodos da luta de classes.
Finalmente, temos visto como o marxismo não apenas teve de combater à burguesia, mas também contra as diversas pseudoteorias que encarnaram em correntes, partidos operários e até em destacados marxistas. De forma que o combate dos marxistas contra as pseudoteorias sexuais tem sua própria história, embora condicionada em última instância aos avanços e retrocesso da luta de classes mundial.
Isso explica porque quando o proletariado se educava e disciplinava nos marcos da luta parlamentar pelas reformas sociais – na medida em que a fase da livre concorrência capitalista o permitia – e sob a poderosa influência da Socialdemocracia Alemã, teve destaque a luta pela aplicação da igualdade de direito e de fato dos indivíduos no seio da sociedade burguesa. Porém, também porque quando a primeira guerra mundial evidenciasse o esgotamento do período reformista do capitalismo se projetará então a luta pelas reivindicações democráticas, embora subordinada e condicionada pelo programa da revolução proletária.
Está aí por que a III Internacional Comunista não apenas incorporou a rica herança de mais de 40 anos de luta dos marxistas pela defesa da igualdade de direitos e a luta pelas reformas sociais como produto da luta de classes. E sob condições de desagregação capitalista, avançou o programa marxista de que somente é possível combater no campo democrático avançando em direção à revolução social. Sob a liderança de Lênin e Trotsky, a Internacional Comunista se transformou em uma escola de tática e estratégia revolucionárias sobre como responder às discriminações e as diversas manifestações sociais da opressão de classe com a orientação estratégica da revolução e ditaduras proletárias.