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23 abr 2023
Editorial do Jornal Massas nº 687
Resposta proletária às pressões do imperialismo sobre o Brasil
Não se deve desconsiderar a importância da divisão no seio da burguesia mundial, e, portanto, entre Estados em torno à guerra na Ucrânia. A posição de classe do proletariado e sua tática revolucionária obrigatoriamente levam em consideração as divergências no interior da classe dominante diante de grandes acontecimentos, como as disputas comerciais e as guerras.
O imperialismo chefiado pelos Estados Unidos procura aumentar e fortalecer sua aliança para vencer a guerra. A Rússia, por seu lado, necessita do mais amplo apoio de Estados para não ser derrotada e se afirmar como potência regional na Eurásia. As divergências entre os alinhamentos se expressaram na ONU. Mas é no terreno prático dos alinhamentos que se realiza o movimento pela prolongação ou abreviação da guerra, cujos perigos de ultrapassar as fronteiras da Ucrânia são reconhecidos por todas as forças que se acham envolvidas na maior conflagração depois da Segunda Guerra Mundial.
É nesse marco de contradição e confrontação de forças determinadas por interesses capitalistas que o proletariado tem de se posicionar e agir como a única classe capaz de combater progressivamente a guerra na Ucrânia e a escalada militar. É com o programa, os métodos e a concepção socialista que o proletariado pode se erguer como força revolucionária nas entranhas da confrontação de uma guerra de dominação, como a da Ucrânia.
É sintomático que o encontro de Lula com Xi Jinping tenha causado um grande alvoroço internacional. Isso por que o Brasil, em si mesmo, não tem potencialidade para influenciar significativamente o curso da profunda crise que se manifesta na forma da guerra na Ucrânia e da guerra comercial concentrada na Ásia. Não tem poder militar e nem poder econômico suficiente para ser ouvido em sua proposição de paz.
O fato de o Brasil ter sentado com a China e assinado um substancial acordo econômico-financeiro contrariou sensivelmente os Estados Unidos. A iniciativa do governo Lula foi motivada não pela guerra na Ucrânia, mas sim pela guerra comercial que os Estados Unidos travam com a China. A dependência da economia brasileira diante das importações de commodities pela China cresceu a tal ponto que não há como se alinhar com os Estados Unidos em sua guerra comercial.
O problema está em que não há como desvincular a guerra da Ucrânia com a guerra comercial na Ásia. Um acordo de ampliação da presença de capitais chineses no Brasil fortalece sua expansão na América Latina. Expansão essa que se processa em detrimento da dominação norte-americana no continente latino-americano. Ao mesmo tempo, auxilia na manutenção da relação da China, e, portanto, dos Brics com a Rússia. Eis por que as brutais sanções econômico-financeiras à Rússia, ditadas pelos Estados Unidos e acatadas pelos aliados europeus, não surtiram os efeitos esperados a curto prazo para levar o Estado russo à debacle. Não basta ao bloco imperialista sustentar a guerra na Ucrânia com fornecimento de armas e recursos financeiros, é preciso também isolar a Rússia, sufocá-la economicamente e diminuir sua capacidade militar. Assim, quaisquer que sejam os acordos comerciais e tecnológicos com a China resultam em contraposição à estratégia norte-americana de guerra comercial e de escalada militar.
A reação norte-americana contra o governo brasileiro foi pronta e incisiva. Estar do lado da China significa se alinhar à Rússia. Esse automatismo esquemático expõe a ferocidade da maior potência que tem se defrontado com o declínio de sua hegemonia mundial. É evidente que o governo Lula não tem nenhuma capacidade para levar o Brasil a se emblocar com a China e a Rússia em torno à guerra na Ucrânia. Isso por que a burguesia brasileira, amplamente entrelaçada com a burguesia norte-americana, não permite. O que a burguesia brasileira permite, no momento, é selar acordos econômicos e tecnológicos, tanto com a China quanto com a Rússia, para defender interesses particulares de setores econômicos.
Não por acaso, sob tremendas pressões dos Estados Unidos e de seus aliados europeus, Lula procurou esclarecer seu ponto de vista, de que continua condenando a Rússia por ter invadido a Ucrânia. E que não concordou em enviar armas brasileiras à Ucrânia porque o objetivo do Brasil é o de participar da organização de um grupo de países pela paz.
A presença do chanceler russo, Serguei Lavrov, no Brasil, se justificou pela necessidade do País continuar importando os indispensáveis fertilizantes ao agronegócio. E também por necessidades tecnológicas, que são vedadas ao Brasil pelos norte-americanos. É sintomático que os Estados Unidos tenham prometido elevar os US$ 50 milhões prometidos a Lula para US$ 2,5 bilhões destinados ao fundo da Amazônia. É do interesse vital do imperialismo manter bem alta a bandeira da “economia verde”, correspondente ao movimento protecionista que vem recrudescendo desde o governo Trump. Esse gesto demonstrou como o imperialismo utiliza seus fartos meios para corromper governos e burguesias semicoloniais.
É importante ainda assinalar a repercussão da visita de Emmanuel Macron, presidente da França, à China. Também causou descontentamento aos Estados Unidos o fato de Macron ter afirmado que “ser um aliado não significa ser um vassalo”. O sentido desse pronunciamento responde aos perigos da guerra comercial do Estado norte-americano contra a China e o intenso movimento de armamento na Ásia. A aliança na guerra da Ucrânia tem sido usada pelos Estados Unidos para avançar em sua estratégia de cerco comercial e militar à China no Indo-Pacífico, tendo o conflito de Taiwan com a China como pivô para a escalada militar.
Macron expôs uma preocupação que não é só da França, mas também de outros países da União Europeia, que pressentem o perigo de serem arrastados a um choque dos Estados Unidos com a China, cujas consequências mundiais seriam mais catastróficas que as já causadas pela guerra na Ucrânia. Não estão totalmente de acordo em levar a OTAN a intervir no Indo-Pacífico. Os Estados Unidos necessitam manter coesa sua aliança contra a Rússia, e, ao mesmo tempo, sentem a dificuldade de estendê-la para a Ásia.
Foi um grande feito o ingresso da Finlândia na OTAN, e já está a caminho o mesmo processo de inclusão da Suécia. A Rússia não tem como responder a esse cerco com a ampliação da guerra da Ucrânia em um enfrentamento com a Finlândia, que passa a ter a guarda direta do imperialismo. Os Estados Unidos e aliados estão preparando uma contraofensiva das Forças Armadas ucranianas, que estão sendo treinadas a operar os poderosos tanques de guerra, que já estão sendo entregues a Zelensky. Em certo sentido, as pressões do ocidente sobre a China recaem na proibição de fornecimento de armas à Rússia.
O vazamento de inúmeros documentos secretos das agências de segurança e militar norte-americanas parece mais proposital do que uma simples manipulação por um de seus agentes já identificado e preso. O mais importante das informações se volta contra a China. Acontecimento como esse reflete o agravamento da crise mundial e suas tendências caóticas. Eis por que cresce o vulto dos perigos das armas nucleares. A propaganda das potências de que o rearmamento da Europa e do Japão vem ao encontro da necessidade de manter a segurança e a estabilidade mundial se choca com a realidade.
A escalada militar assumida pela Alemanha na Europa e pelo Japão na Ásia é consequência do esgotamento da ordem mundial estabelecida após a Segunda Guerra. Esgotou-se um período de relativo equilíbrio para um de pronunciado desequilíbrio. Essa mudança, que implica um rearmamento daqueles que foram derrotados na Segunda Guerra e uma escalada generalizada do militarismo, corresponde ao choque entre as forças produtivas altamente desenvolvidas com as relações capitalistas de produção, que precipita o confronto entre Estados nacionais.
A profunda crise de direção revolucionária tem impossibilitado à vanguarda da classe operária compreender as contradições que afloram nas condições em que o capitalismo se desintegra e à classe operária se erguer como força social organizada e em luta por seu programa próprio, com sua estratégia própria de poder e com seus métodos próprios de luta de classes. Esse é o grande problema da situação mundial.
As massas continuam sujeitas às divisões interburguesas e às movimentações de suas frações em conflito. Ao mesmo tempo, a classe operária e a maioria oprimida vêm protagonizando lutas em toda a parte, umas mais avançadas e outras ainda moleculares. Destaca-se, no momento, o levante operário e popular na França, cuja resistência à ditadura de Macron expõe abertamente os antagonismos de classe.
Os movimentos que explodiram, que acabaram sendo controlados ou esmagados pela repressão, como mostram os casos mais recentes do Chile e do Peru, por sua vez, indicam que as massas acumulam experiências. Ainda não se atentaram para a guerra na Ucrânia, embora venham arcando com suas consequências econômicas e sociais. É questão de tempo para que esse movimento de resistência acabe confluindo com a necessidade de responder à guerra e à escalada militar.
É nessas condições que a crise de direção tem de ser enfrentada pela vanguarda com consciência de classe. É parte fundamental dessa tarefa construir os partidos marxista-leninista-trotskistas, como parte da reconstrução do Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional. Esse percurso obrigatoriamente exige a defesa dos princípios e dos fundamentos marxistas diante da guerra de dominação, que se desenvolve na Ucrânia e que sintomaticamente reflete o esgotamento do capitalismo, bem como o retrocesso histórico provocado pela contrarrevolução estalinista que levou a desintegração da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e projetou o processo de restauração capitalista.
Da guerra na Ucrânia, emergem o programa e a política internacionalista da classe operária como condição histórica para combater o imperialismo e retomar os elos das revoluções proletárias.