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11 maio 2023
No final de abril, o presidente da Câmara dos Deputados e conhecido oligarca, Arthur Lira, leu o requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para investigar e criminalizar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Os representantes mais diretos dos latifundiários, da agroindústria e do agronegócio agiram nesse sentido em resposta às ocupações de terra na jornada do “Abril Vermelho”, sob a bandeira “Reforma Agrária contra a fome e a escravidão por terra, democracia e meio ambiente”.
Na realidade, a fração burguesa da oligarquia agrária viu a oportunidade de se valer das manifestações do MST para pressionar o governo Lula a condenar as ocupações de terra. A oposição declarada de direita e ultradireita aproveitou a campanha de toda imprensa burguesa de ataques ao movimento camponês, para se potenciar no Congresso Nacional e inflamar a chama da oligarquia agrária vinculada ao bolsonarismo. As contradições da composição governamental de frente ampla serviram perfeitamente à causa da reação latifundiária.
O ministro da Agricultura Carlos Fávaro (PSD), que é um homem do agronegócio, não apenas excomungou o MST, como advogou a repressão. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, do PT, por sua vez, se colocou pela “pacificação” e pelo entendimento entre o agronegócio e o MST, portanto, não rechaçou a posição de criminalizar o movimento camponês de ocupação de terra. No governo Lula, ocupa um lugar de destaque, como ministra do Planejamento, a latifundiária Simone Tebet, cujos interesses materiais convergem com a reacionária Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB, foi enfático em apoiar a cerrada campanha do agronegócio, das inúmeras associações de agropecuaristas, da Frente Parlamentar pró-latifúndio, das autoridades e de toda a imprensa.
Raras exceções entre os governistas procuraram justificar a atitude do ministro do Desenvolvimento Agrário de negociar a retirada do MST das terras ocupadas, principalmente no caso da empresa Suzano, para não ter de jogar a polícia contra os camponeses e suas famílias. O núcleo petista do governo não teve como ir mais além de considerações políticas, de que as ocupações favoreciam a oposição e prejudicavam a aproximação de Lula com a fração do agronegócio firmemente vinculada ao bolsonarismo. É nessas condições que Arthur Lira não teve problema algum em favorecer a articulação em torno à CPI do MST.
Vozes lembram que não é a primeira vez que se monta uma investigação política dessa natureza e que não deu em nada. Não se deve, porém, desconhecer que o objetivo de criminalizar o MST – se falou em prender seu dirigente máximo, João Pedro Stédile – é parte da política burguesa de sufocar a luta dos trabalhadores com a repressão.
O “Abril Vermelho” é uma data que lembra o massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, cuja ação da polícia do estado do Pará deixou 21 mortos e dezenas de mutilados. A operação policial ordenada pelo governador do MDB cercou uma marcha pacífica de 1.500 famílias que exigiam acesso à terra, sob a bandeira de reforma agrária. O MST, infelizmente, não incorporou no “Abril Vermelho” o massacre ocorrido um ano antes, em 14 de julho de 1995, na Fazenda Santa Elina, em Corumbiara, no estado de Rondônia. De madrugada, a polícia invadiu o acampamento de 600 famílias, provocando 12 mortes, muitos feridos e prisões. O que se passou na Fazenda Santa Elina foi um prenúncio do que iria ocorrer em uma rodovia do estado do Pará.
A total impunidade ao assassinato de camponeses em Corumbiara expôs como funciona a ditadura de classe da burguesia sobre os movimentos que ameaçam ou podem ameaçar a sagrada propriedade privada. Não houve uma contraposição dos sindicatos operários e movimentos sociais à altura que a violência reacionária do Estado burguês exigia. Na matança em Eldorado dos Carajás, forjou-se um processo para ocultar a licença da polícia para matar camponeses que lutam pela terra, e que assim estão em confronto com os poderosos latifundiários e a oligarquia que comanda o poder político nos estados.
Em seu editorial, sob o título O “exército do Stédile está de volta”, o jornal O Estado de São Paulo, procura passar o MST como um bando de violentos, que põe em risco a democracia, enfim, o ordenamento jurídico que rege o direito à propriedade privada. É elucidativo o que diz: “O MST, como qualquer grupo de interesse da sociedade, tem o direito de existir e defender sua agenda. É intolerável, no entanto, que recorra à violência e ao desrespeito às leis e à Constituição como instrumento de ação política”. E conclui: “Isso não é democrático, é crime.” Está aí expressa a ofensiva de criminalização do MST, mascarada de democrática.
A burguesia não conseguiu acabar com o MST, que está organizado na maioria dos estados, devido ao real problema histórico da crescente concentração fundiária, da terrível subordinação dos micros e pequenos produtores ao agronegócio, da expulsão do camponês de suas terras, da invasão dos territórios indígenas e da economia agrária em grande medida voltada à exportação de commodities. E na relação econômica e social das massas camponesas com o domínio latifundiário e a projeção da agroindústria para exportação que emerge a violência. Os trabalhadores do campo – micro, pequeno e parte do médio produtor rural – são as vítimas da violência econômica do capital, que assume forma de violência político-policial.
A história da luta de classes no campo está empapada de sofrimento e sangue do camponês trabalhador. Os casos da Fazenda Santa Elina e Eldorado dos Carajás são provas de como o Estado, os governantes e, enfim, a democracia do momento tratam a questão camponesa.
O relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “Conflitos no Campo Brasil 2022”, indica que cresceram os assassinatos desde o início do governo Bolsonaro. Estão envolvidos o agronegócio, madeireiras e mineradoras. No ano passado, a CPT registrou 2018 conflitos no campo, envolvendo 909.450 pessoas. Somente 5,6% ocorreram devido a ações do movimento, como ocupações, retomadas e assentamentos. De um lado, houve queda nas ocupações; de outro, agravaram-se os conflitos envolvendo posseiros, indígenas e ribeirinhos.
Observa-se que a barbárie social chega a todas as latitudes do Brasil, com o avanço do garimpo e extração de madeira realizada em detrimento das populações trabalhadoras. Em meio à exploração e à violência praticadas sob a sombra o Estado, atua a fração burguesa narcotraficante. Está claro que o agronegócio se arma para proteger seus interesses em consonância com a repressão estatal.
Essas relações sociais ditadas pela grande propriedade e pelo latifúndio explicam a persistência do trabalho escravo no campo. Dos 207 casos registrados, houve 2.218 resgates, os maiores números da década. Os exploradores, que chegam ao ponto de violar completamente o ordenamento jurídico montado pela burguesia, expressam a violência que perpassa o poder da propriedade privada dos meios de produção sob o controle da ultraminoria capitalista. Os exploradores que se valem do trabalho escravo não têm receio de sua bárbara conduta, porque têm a certeza de que a sua propriedade privada é inviolável, como dita a Constituição burguesa e funciona o sistema jurídico.
Os capitalistas extraem enormes ganhos, acumulam riquezas e concentram a propriedade explorando o máximo possível a força de trabalho que a situação permite. Essa é a violência de classe, que tanto sustenta o regime democrático, quanto o ditatorial. Acusar o MST de uso da violência é uma infâmia dos porta-vozes dos latifundiários, dos poderosos empresários do agronegócio e dos agentes da Frente Parlamentar da Agricultura.
Diante de tantos ataques sofridos, já era tempo da direção do MST e dos demais movimentos camponeses de terem constituído os comitês agrários de autodefesa, que implica a justa defesa democrática do direito de se armar contra a violência do Estado, dos jagunços e dos grileiros. O MST, no entanto, foi se adaptando cada vez mais à política de Estado para realizar a reforma agrária. Ei por que se tornou base de apoio do PT que, no passado, tinha como um de seus objetivos a reforma agrária. A história do MST demonstra que sem as ocupações, sem a disposição dos camponeses de suportar as reintegrações de posse pela polícia, sem os massacres da Fazenda Santa Elina e Eldorado dos Carajás e sem enfrentar as terríveis dificuldades dos acampamentos, não teriam havido inúmeras conquistas de assentamentos e demarcação de terras.
Diante da volta de Lula à presidência, reacenderam-se a esperança e a ilusão de que o PT e aliados vão apoiar uma revitalização do processo de reforma agrária a conta-gotas e pontualmente voltado às terras devolutas e propriedades improdutivas. O “Abril Vermelho” serviu mais para pressionar o próprio governo petista do que para atacar o domínio dos latifundiários, da agroindústria e dos banqueiros.
Sem lutar sob o programa de expropriação da grande propriedade, de estatização e de nacionalização da terra, não se travará a luta pela histórica aspiração camponesa de se libertar do jugo de seus opressores por meio da reforma agrária. Essa tarefa democrática será resolvida pela revolução social, tendo à sua frente o proletariado e sendo impulsionada pela aliança operária-camponesa. Sem a luta unida na cidade e no campo, para derrubar o poder da burguesia oligárquica e do imperialismo, não haverá reforma agrária.
Os duros anos de luta do MST pela manutenção dos acampamentos, pelas conquistas de assentamentos, pela proteção ao micro e pequeno produtor e por provar que é possível uma agricultura compatível com a proteção da natureza nos marcos do capitalismo trouxeram importantes lições que ainda estão por ser assimiladas criticamente. Mas, sem dúvida, está claro que não haverá uma reforma agrária no Brasil que possa conviver com o poder histórico da propriedade latifundiária e com o domínio atual da agroindústria e do agronegócio.
A reação completamente desproporcional que emergiu das entranhas mais profundas das relações capitalistas de propriedade no campo à retomada de ocupações na jornada do Abril Vermelho, por si só, indica que o MST e o conjunto do movimento camponês precisam urgentemente da aliança operário e camponesa e da organização de uma frente única anti-imperialista. As direções sindicais e políticas que mantêm um precipício entre os trabalhadores do campo e da cidade acabam por obstaculizar a luta pela reforma agrária.
A ofensiva contra o MST está posta. A montagem da CPI do MST representa apenas a face política da reação latifundiária. Serve de máscara para justificar a criminalização do movimento camponês, a proteção capitalista da propriedade privada dos meios de produção e, nesse sentido, a defesa da própria democracia burguesa, que não deixa de ser um instrumento da ditadura de classe da minoria possuidora contra a imensa maioria despossuída.
O Partido Operário Revolucionário (POR) faz um chamado aos sindicatos, movimentos e partidos que se reivindicam da luta dos trabalhadores a lançarem uma campanha imediata para pôr abaixo a CPI do MST e exigir do governo Lula a expulsão de todos os ministros que se colocaram pela criminalização do movimento camponês.
Abaixo a CPI do MST! Demissão imediata de todos os ministros que condenaram as ocupações do MST! Viva a luta camponesa e indígena pela terra! Organizar a aliança operária e camponesa! Pôr em pé uma frente única anti-imperialista!