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02 ago 2023
Editorial do Jornal Massas nº 694
Reunião entre UE e CELAC se defronta com a guerra na Ucrânia
Interessa, do ponto de vista da classe operária, entender os motivos do fracasso da cúpula entre a União Europeia (UE) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que ocorreu envolvida no processo de agravamento da crise mundial do capitalismo, a maior e mais profunda desde o fim da Segunda Guerra e a Guerra da Coreia. Embora o objetivo de sua convocação se devesse à reiterada tentativa de abertura de mercado, a sombra da guerra da Ucrânia cobriu toda a sua preparação.
Em meio às tratativas diplomáticas, Zelensky anunciou que havia sido convidado pelo primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, para participar no evento, mas que “alguns países latino-americanos barraram a sua presença.” O governo espanhol e a União Europeia sabiam que não seria aceita a presença da Ucrânia. O convite à margem da CELAC soou como uma provocação, que acabou sendo engolida a seco. A conclusão consistiu em não dar dimensão à pretensiosa posição do imperialismo europeu de arrastar os países latino-americanos e caribenhos a darem apoio à aliança montada pelos Estados Unidos e às ações da OTAN.
Os porta-vozes do imperialismo reclamaram de no comunicado final da cúpula ter sido retirado do rascunho a palavra “Rússia”. O seu conteúdo tão genérico evidenciou a discordância da CELAC em se alinhar por detrás da estratégia de cerco à Rússia pela OTAN, que se realiza com o avanço sobre as fronteiras das ex-repúblicas soviéticas.
As críticas dos jornais brasileiros à falta de uma definição clara e inconfundível de Lula em favor da aliança imperialista voltaram a ser ventiladas. O embaixador a UE no Brasil, Ignacio Ybáñez, amenizou a discordância com a posição brasileira nos seguintes termos: “O voto do Brasil na ONU foi claríssimo, contra a agressão da Rússia. É o que fica.”
O fracasso de um encontro tão significativo, aguardado por oito anos, se deveu aos desacordos comerciais. A União Europeia não abriria o seu mercado, sem que os ganhos das contrapartidas fossem bem maiores que as perdas de suas concessões. A isca oferecida à CELAC se mostrou no anúncio de que teria 45 bilhões de euros para aplicar no continente latino-americano, que seriam distribuídos em 130 projetos. Somente o Brasil, o Chile e a Argentina poderiam valer-se de 3 bilhões de euros, que seriam destinados à produção de “hidrogênio verde” e extração de “lítio”. Como não se chegou a um acordo, esses valores evaporaram. O que desencantou a imprensa brasileira, serviçal do imperialismo, que avaliou a cúpula com “anódina”.
É muito bem conhecido o protecionismo europeu diante dos países semicoloniais, principalmente daqueles que alcançaram uma projeção na economia mundial, como é o caso do Brasil, Argentina e México. Se a União Europeia abrir seu mercado para as commodities, arrebenta a sua economia agrária. Esse é o grande motivo pelo qual a UE tanto exige dos países latino-americanos os rigores da “economia verde”. A exploração do lítio e do hidrogênio verde é do interesse das multinacionais, que têm aumentado as pressões para que os governos latino-americanos entreguem as fontes naturais de matérias-primas, principalmente, neste momento, o lítio.
A concorrência dos americanos e europeus com os capitais chineses na América Latina vem recrudescendo na última década em forma de guerra comercial. Certamente, o capital europeu forçará passagem, independentemente de um acordo de livre comércio da UE e CELAC. Em particular, no caso do Brasil, o governo Lula procura montanhas de recursos para sua política verde e de “proteção à Amazônia”, como se o país não tivesse de pagar caro pela boa vontade do imperialismo em garantir as suas riquezas naturais.
Houve um outro obstáculo aos desejos dos europeus, de que Lula abrisse as compras governamentais ao capital estrangeiro. Assim, as contratações públicas e licitações deixariam de ser um monopólio do capital interno. Segundo informações, o ministro da Casa Civil e o Itamaraty estavam propensos a aceitar, mas sofreram oposição dos ministros da Indústria, Agricultura, Defesa e Planejamento. Caindo por terra esse pleito europeu, não restou muito da cúpula.
Para não exibir um fracasso total, realizou-se um acordo com representantes do governo venezuelano Maduro e da oposição, que deixou muita dúvida sobre a sua viabilidade. O imperialismo suspenderia as sanções econômicas, e Maduro realizaria eleições “transparentes”, controladas por observadores externos. Embora Lula diga que cabe aos venezuelanos resolverem os seus problemas, a chantagem montada em Bruxelas é típica do intervencionismo imperialista sobre as semicolônias, para as quais dita o que é e o que não é democracia.
A cúpula UE-CELAC evidenciou a que ponto se encontra o protecionismo, a guerra comercial e a guerra da Ucrânia. As forças produtivas estão em franco choque com as relações capitalistas de produção. As fronteiras nacionais têm de ser rebaixadas pela força da guerra econômica e das armas. Os países semicolônias têm de abrir mão de seus parcos protecionismos. A Rússia se lançou contra a Ucrânia para proteger-se da penetração dos monopólios das potências no território antes controlado pela ex-URSS e do cerco da OTAN a suas fronteiras. Os Estados Unidos recrudescem a guerra comercial contra a China. E se projeta mundialmente a escalada militar. O sonho do Mercosul de se erguer como uma organização unida para negociar com o capital imperialista se esvaiu faz muito tempo. Não será com a eleição de Lula que essa realidade será mudada. A propaganda do reformismo de que o Brasil volta a ser um protagonista internacional independente é pueril.
Esse processo que reflete a decomposição do capitalismo coloca a necessidade da vanguarda com consciência de classe lutar disciplinadamente para superar a crise de direção mundial do proletariado. As condições objetivas para as revoluções proletárias estão dadas. Trata-se de ajudar a classe operária a reagir com seu programa e sua estratégia revolucionária.