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12 set 2023
Editorial do Jornal Massas nº 697
Pelo fim da guerra na Ucrânia
A guerra entra em seu 19º mês. Nada indica que uma solução esteja próxima. No entanto, o seu longo percurso atingiu o momento de impasse. A Rússia garante o controle de parte do território ocupado. A Ucrânia não teve capacidade para realizar uma contraofensiva vitoriosa. Os Estados Unidos e sua aliança esperavam que, com os armamentos mais avançados, as Forças Armadas ucranianas romperiam a cidadela russa. Se assim o fizesse, Volodimir Zelensky poderia manobrar com a bandeira da paz.
A crise político-militar causada pelo rompimento de relações dos mercenários do Grupo Wagner como o Kremlin eclodiu em meio à contraofensiva, mas não abalou em nada as posições russas. Agora, mais recentemente, a morte de Yevgeni Prigozhin e dos principais comandantes representa um enfraquecimento dos mercenários do ponto de vista da crise. É secundário saber se a explosão do avião que os transportava resultou de um atentado ou de um acidente de percurso. O fato é que a aliança ocidental não pôde contar com um abalo interno ao governo Putin e entre a população. O que poderia auxiliar o imperialismo diante do fracasso da contraofensiva.
O escândalo de corrupção na cúpula das Forças Armadas ucraniana chegou ao ponto em que Zelensky se viu obrigado a demitir o ministro da Defesa, Oleksii Reznikov. Sabe-se que a oligarquia burguesa que tomou conta da Ucrânia se utiliza da venalidade dos governantes e da caricatura de Estado independente para realizar seus negócios e empurrar o país para os braços dos capitalistas europeus e norte-americanos. Esse modo de existência do Estado ucraniano serve muito bem à estratégia da OTAN de apertar o cerco militar à Rússia. O problema está que a corrupção desenfreada nas condições de financiamento da guerra pelas potências se converte em problema político interno, principalmente nos Estados Unidos. Cresce o descontentamento entre a população. Não apenas influenciado pela divisão entre republicanos e democratas, que se preparam para as eleições presidenciais. Mas, sobretudo, pelas contradições econômicas.
O governo de Joe Biden transformou a guerra da Ucrânia em principal bandeira, de forma a avançar a guerra comercial contra a China e justificar a escalada militar no Oriente. O prolongamento da guerra na Ucrânia vem se materializando com bilhões de dólares e com a ativação da indústria militar. Mas como a Rússia firmou posição em território ucraniano, montando uma fortificação na região de Donbass, o passar do tempo levou ao impasse, e assim se potencia a crise política nos Estados Unidos e nas potências europeias.
As cúpulas da OTAN não resultaram em mudança estratégica do intervencionismo imperialista no sentido de romper e extrapolar as fronteiras da guerra. Esse era o desejo de Zelensky, cujo impasse do enfrentamento passa a favorecer a linha de Putin. Não há unidade das potências para esticar o cordão da guerra ao ponto de rompê-lo e expandir a conflagração pela Europa. Há o risco de a classe operária abrir os olhos, livrar-se da camisa de força imposta pelas direções submissas à burguesia e passar da passividade para a ação contrária à guerra. A luta dos trabalhadores franceses, alemães, ingleses e espanhóis, e mesmo americanos, contra os efeitos crise econômica poderá se converter em movimento contra a guerra. As massas não podem ficar alheias ao impasse, e terão de reagir a um transbordamento da guerra.
O fracasso da aliança ocidental em não ter conseguido isolar completamente a Rússia limitou a ofensiva da OTAN. É certo que o imperialismo teve êxito em aumentar sua fronteira com a Rússia, incorporando a Finlândia e Suécia. Mas, se tratava de uma possiblidade prevista, considerando o enfraquecimento estratégico da Rússia, envolvida em múltiplos conflitos em torno à ascendência sobre os territórios antes pertencentes à URSS, por meio da política e dos métodos da opressão nacional às ex-repúblicas soviéticas. Não havia como, no processo de restauração capitalista, que levou à desintegração da URSS, conter a ofensiva do capital imperialista por meio de acordos e de alguma forma de coexistência pacífica.
A guerra na Ucrânia se configurou como o ponto mais alto das contradições que se potenciaram e emergiram da restauração capitalista. Eis por que os seus entrelaçamentos com os choques dos Estados Unidos com a China configuram e impulsionam a crise mundial do capitalismo a um estágio mais elevado após a Segunda Guerra e a Guerra da Coreia. Observa-se um poderoso processo de desequilíbrio das relações internacionais, que arrasta continentes e regiões. Os realinhamentos de força no Oriente Médio e os tremores causados pelos dois golpes de Estado na África – Níger e Gabão – são sintomas de deslocamentos mais gerais. Os seus reflexos na América Latina comparecem na forma de crise política, impressa na derrocada de governos burgueses, tanto de direita quanto de esquerda reformista. Em sua base estão a miséria das massas e a fermentação de um grande descontentamento. A guerra na Ucrânia continua no epicentro das divisões e dos confrontos capitalistas. Mas, seu potencial de crise se torna mais perigoso com a agudização do enfrentamento econômico-financeiro entre Estados Unidos e China.
A recente ampliação do Brics evidenciou um realinhamento de força contrário aos interesses dos Estados Unidos e à sua hegemonia, sobretudo. É mais um sinal de que o prolongamento da guerra na Ucrânia age sobre as relações mundiais no sentido de maior desagregação e da escalada militar. Os porta-vozes das potências trabalham para que a disputa entre a China e a Índia pela demarcação de fronteiras contamine a posição dos países que não se deixaram levar pela aliança montada pelos Estados Unidos, que transformou o povo ucraniano em bucha de canhão dos interesses do capital financeiro. Dezenove meses de guerra localizada na Europa não têm o mesmo peso e alcance que o tempo de guerra em outras latitudes, como no Iraque, Síria etc. Está expressando as contradições mais profundas do capitalismo em decomposição.
A “visita surpresa a Kiev” do secretário de Estado americano se deu quase às vésperas da cúpula do G-20. Biden exerce pressão para que Zelensky mantenha a contraofensiva. Entregou-lhe US$ 1 bilhão e acertou o envio de munições à base de urânio, o que traz à tona os perigos das armas nucleares. Não faz muito, os Estados Unidos prometeram enviar bombas de fragmentação. São meios para sustentar uma guerra que a Ucrânia não tem como vencer com suas próprias capacidades. Está claro que o impasse encerra o perigo do imperialismo procurar rompê-lo reforçando a escalada militar. Ganha cada vez mais importância a bandeira do fim da guerra, por uma paz sem anexação e sem nenhuma imposição dos Estados Unidos e aliados imperialistas.