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16 dez 2023
Editorial do Jornal Massas nº 704
O lugar da América Latina na crise mundial
A luta proletária pela superação da crise de direção
A eleição do ultradireitista Javier Milei na Argentina e a retomada da Venezuela de retirar Essequibo do controle da Guiana emergiram como dois conflitos que refletem e impulsionam a crise por que passa a América Latina.
O Brasil ainda se ressente da tentativa de golpe de Estado organizada pela ultradireita chefiada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. No Chile, afunda o governo da esquerda democrática que se propôs a reformar o Estado por meio de uma Constituinte e afastar as forças pró-pinochetistas do comando do país. A burguesia peruana, para firmar o governo nascido de um golpe, teve de esmagar a rebelião das massas. O retorno do MAS na Bolívia, depois da queda do governo Evo Morales, não logrou impulsionar a economia, fortalecer as bases do indigenismo reformista, e seu governo vive sobressaltado pelas divisões em suas próprias fileiras. A passagem do poder do Estado na Colômbia para a esquerda democratizante não resultou em nenhuma mudança significativa que melhorasse as condições de vida das massas e o governo se bate em meio às divisões interburguesas.
É nesse marco que a crise geral não tem permitido a estabilização de nenhum dos governos e se potenciam as tendências da luta de classes.
Em particular, na presente situação, o plebiscito realizado pelo governo Nicolás Maduro em favor de recuperar a região de Essequibo, que historicamente lhe pertencia, trouxe a sombra de uma possível conflagração militar. Os Estados Unidos imediatamente reagiram com sobrevoos na região, “ofereceram” ajuda ao governo da Guiana e se mostraram dispostos a instalar uma base militar no país. O governo Biden acionou sua diplomacia para que Organização dos Estados Americanos (OEA) condenasse a Venezuela. O Brasil movimentou a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (CELAC) para tomar a frente das negociações, de forma a não condenar, nem defender a Venezuela. Realizou-se o primeiro encontro em que se arrefeceu a retórica do confronto, mas não se achou uma solução. Os Estados Unidos estão com o controle das reservas marítimas de petróleo localizadas nas proximidades de Essequibo. O que significa que o conflito não se limita à Venezuela e Guiana. O imperialismo, que desde a constituição do governo de Hugo Chaves, procurou derrubar o regime nacionalista justamente por estar de posse de uma das maiores reservas do mundo e estatizar a indústria petrolífera, logo deu seus sinais bélicos diante da reivindicação venezuelana. Não se sabe ainda qual será o alcance do plebiscito do ponto de vista prático, mas se sabe que foi reaberto um antigo conflito de fronteiras que, se desenvolvido, conduz à guerra. Aí estão presentes os interesses do imperialismo norte-americano, que se sobrepõem à Venezuela e Guiana, e à América do Sul como um todo.
A crise na Argentina tem um enorme peso para a América Latina. Ao longo dos anos sua economia vem acumulando regressões e empurrando as massas para a pobreza e miséria. As primeiras medidas de Milei consistem em ataque direto aos trabalhadores e em proteção ao capital financeiro. Diante da possibilidade do Polo Operário reagir e a resposta das massas se chocar com o governo logo de início, a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, emitiu um “protocolo para a manutenção da ordem pública”, que proíbe as manifestações. Já está explícita a ditadura de Milei. Um regime de força é a condição para impor as contrarreformas antioperárias e antinacionais.
Na Europa, a guerra na Ucrânia permanece no impasse. O fracasso da contraofensiva de Zelensky reforçou as posições conquistadas pela Rússia. Em contrapartida a autorização para as tratativas de incorporação da Ucrânia na União Europeia, bem como da Moldávia e da Geórgia, aprovada na reunião de Bruxelas, é sinal de recrudescimento da crise e da escalada militar.
Na Faixa de Gaza, o Estado sionista ignora a posição da ONU, aprovada por imensa maioria, de cessar-fogo. As manobras dos Estados Unidos para que o governo sionista de Israel diminua a intensidade do massacre dos palestinos e se coloque por uma perspectiva de solução, que seria aceitar a formação de um Estado palestino, visa a manter os governos árabes subordinados à estratégia de dominação norte-americana. As mobilizações massivas isolaram Israel e não permitiram o alinhamento da maioria das nações ao expansionismo colonialista da burguesia sionista. Os próprios analistas que servem ao imperialismo passaram a reconhecer que a liquidação do Hamas não será fácil, exigirá o prolongamento da intervenção por muito tempo e a manutenção da matança de civis em grande escala, que já atingiu em apenas dois meses de bombardeios, 18 mil palestinos, a maioria de mulheres e crianças. A manutenção da intervenção militar e a anexação da Faixa de Gaza implicará avançar ainda mais no controle da Cisjordânia. O que dificultaria e provavelmente impossibilitaria aos Estados Unidos de sustentar os seus aliados árabes em torno a seus interesses gerais no Oriente Médio, que conta com a ofensiva da China na região. O movimento de massa mundial tende a refluir com o tempo, uma vez que suas direções não expressam o programa da autodeterminação e os métodos da luta de classes. O Estado sionista e os Estados Unidos contam com o arrefecimento dos protestos que estão indicando o curso da luta dos explorados contra a dominação imperialista.
A incorporação da América Latina à crise mundial é mais uma frente de conflito que, no momento, não interessa aos Estados Unidos. Mas, a força dos acontecimentos está indicando que os governo democratizantes não encontram solução para a decomposição econômica e social, e que vão cedendo lugar a governos fascistizantes, como é o caso de Milei. Tudo indica que a luta de classes na Argentina chamará a atenção dos explorados latino-americanos, e em particular a dos brasileiros.
Emerge das condições objetivas dos impasses do capitalismo senil e das tendências de luta dos explorados o programa da revolução social. As direções sindicais e políticas adaptadas à política burguesa democratizante tudo fazem para que a classe operária não se desperte das travas que impedem sua evolução no campo da independência de classe. Mas, o colaboracionismo colide com as necessidades mais elementares dos explorados. A luta da vanguarda por construir o partido revolucionário tem a seu favor as condições objetivas da crise mundial e nacional. A tarefa de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional, obriga a vanguarda com consciência de classe a lutar sob o programa da revolução social, proletária, socialista. É por esse caminho que se trava o combate às guerras de dominação e amadurecem as condições para sua transformação em guerras de libertação.