• 27 jul 2024

    Editorial: A marcha da crise mundial

Editorial do Jornal Massas nº 720

A marcha da crise mundial

No início de outubro, a intervenção militar do Estado sionista na Faixa de Gaza completará um ano. Em agosto, a guerra na Ucrânia chegará aos dois anos e meio. O choque dos Estados Unidos com a China nos marcos da guerra comercial se agravou desde o começo da guerra na Ucrânia. Na África, afloram os confrontos internos em vários países e se erguem lutas anti-imperialistas. Na Europa, a crise econômica e as tendências da luta de classes impulsionam as divisões interburguesas e o fortalecimento das frações de ultradireita e fascistizantes. Em particular, na Inglaterra, a direita ultraconservadora foi derrotada pelo Partido Trabalhista; na França, o Partido Renascimento, de Macron, sofreu uma dura derrota eleitoral para ultradireita, permitindo a ascensão da esquerda reformista aglutinada na Nova Frente Popular. Nos Estados Unidos, a crise política chegou ao ponto da tentativa de assassinato de Trump e substituição de Biden por Kamala Harris que passou a ser a candidata à presidência da República pelo Partido Democrata. Assombra setores da burguesia mundial a possibilidade de Trump voltar ao comando dos Estados Unidos.

A maioria dos países na América Latina sente estremecer seus alicerces econômicos e políticos. O fracasso da 64ª Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada no início de julho, desprezada pelo presidente argentino Javier Milei, refletiu o processo de decomposição política na América do Sul. Em particular, destacam-se a quebra econômica da Argentina, o descenso do peronismo e ascensão da ultradireita aventureira; as eleições na Venezuela que ocorrem nas condições de esgotamento do nacional-reformismo chavista; o golpe forjado na Bolívia, por sua vez, evidencia a decomposição do MAS, que foi constituído em torno ao caudilho Evo Morales; no Chile, naufraga o governo pequeno-burguês democratizante de Boric que tende à direitização. A reunião da ultradireita em Santa Catarina, no Brasil, arquitetada por Bolsonaro e Milei, deu a dimensão do quão grave é o fortalecimento das tendências ultradireitistas. A frente ampla que sustenta o governo Lula deixou claro, neste um ano e meio, que depende das frações mais poderosas das oligarquias regionais e do grande capital nacional para manter a governabilidade questionada quase que diariamente.

É nesse marco que os países latino-americanos se acham envolvidos pela guerra comercial dos Estados Unidos com a China e se ressentem dos alinhamentos internacionais em torno à guerra na Ucrânia e a intervenção militar na Faixa de Gaza. A Operação “Southern Seas – 2024”, com navios de guerra dos Estados Unidos, com a Marinha brasileira, teve neste ano o caráter político de questionar a aproximação do governo Lula ao projeto chinês “Iniciativa Cinturão e Rota da China”. Aumenta a pressão contra o fortalecimento do Brics e da aliança que se denomina “Sul Global”.

A guerra comercial vem tomando uma dimensão mundial, embora ainda esteja concentrada no Indo-Pacífico. Tudo indica que ganhará maior importância na América Latina, uma vez que se estabeleceu amplos laços comerciais e que capitais da China vêm penetrando em várias áreas de sua economia. O declínio da economia norte-americana e a ascensão da China, inevitavelmente, se reflete na América Latina. Traz a sombra histórica, quando em 1823 o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Doutrina Monroe, que consistiu na orientação colonialista de bloqueio ao domínio europeu, sob a bandeira “América para os Americanos”. Os capitais europeus, de fato, não deixaram de saquear os países latino-americanos, mas sob a hegemonia do imperialismo estadunidense. A situação agora é de confronto com a China que do processo de restauração capitalista passou a se destacar na disputa por um lugar no mercado mundial.

A reunião do G20, que se realiza neste momento no Rio de Janeiro, não tem como chegar a um acordo favorável às nações semicoloniais. Os objetivos de equacionar o “endividamento dos países pobres”, aumentar a “taxação dos super-ricos”, promover uma reforma nos organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial” e estabelecer um programa de redução da pobreza e da fome não passam de boas intensões encabeçadas pelos nacional-reformistas que são incapazes de enfrentar e romper com a dominação imperialista. A falência desse tipo de organização que pretende obter concessões das potências é parte da decomposição do capitalismo. É sintomático que o G20 se paralisou ainda mais com a guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza. O denominado Sul Global se limita a lamentações e a procura de respostas nos marcos da ONU, que é um organismo criado e mantido pelo imperialismo. Não há como escapar ao agravamento da guerra comercial e ao impulso à escalada bélica.

Também nesse momento se fala sobre a disposição tanto da Ucrânia quanto da Rússia em retomar as negociações para um acordo de paz. No entanto, os Estados Unidos estão armando suas bases militares na Europa com armas ofensivas, entre elas as nucleares, dirigidas à Rússia, reforçando principalmente seu aparato na Alemanha, Polônia e Romênia. A OTAN tem potenciado sua capacidade financeira para fazer frente a uma possível guerra contra a Rússia e a China. A ocupação da Faixa de Gaza, com seus quase 40 mil mortos, continua pondo na ordem do dia a possibilidade de guerra no Oriente Médio.

A crescente divergência no interior da burguesia norte-americana em torno ao apoio irrestrito ao Estado sionista de Israel tem causado temor ao governo de Netanyahu. É o que mostra o discurso proferido no Congresso dos Estados Unidos em busca de maior apoio financeiro e militar, para ir até o fim na destruição da Faixa de Gaza e na subjugação dos palestinos. Os “bárbaros” seriam os povos oprimidos e os “civilizadores” seriam os colonizadores, que se valem do poderio militar. Netanyahu foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional como responsável pela carnificina de civis. Adentrou e discursou no Capitólio como um arauto da “civilização” contra os “bárbaros”. O protesto de milhares em favor dos palestinos indicou a necessidade de retomada mundial do movimento de massa contra o genocídio. Está posta, igualmente, a necessidade de pôr fim à guerra na Ucrânia e ao cerco da OTAN à Rússia antes que se generalize pela Europa e Eurásia.

A marcha da crise mundial continua em ascendência e acelera o seu ritmo com a conjugação das guerras na Ucrânia e Faixa de Gaza, bem como com a guerra comercial dos Estados Unidos contra a China. Fala-se em “paz”, mas o que prevalece é a escalada militar. A preparação de um confronto dos Estados Unidos e de seus aliados com a China e a Rússia determina a situação e o caráter da crise mundial.

A velocidade dos acontecimentos e sua ferocidade se impõem sem que a classe operária tenha ainda respondido à altura, com sua organização independente, seus métodos de luta, seu programa de reivindicações e sua estratégia estabelecida pela revolução social. No entanto, as inúmeras manifestações das massas, sendo as mais importantes as dirigidas contra o genocídio na Faixa de Gaza, expõem o instinto de revolta dos oprimidos e criam as condições para pôr em pé um movimento de resistência anti-imperialista e pela revolução socialista.

Trata-se da vanguarda com consciência de classe não se perder no maremoto da crise capitalista e das imensas dificuldades de organização do proletariado em seu partido revolucionário, marxista-leninista-trotskista. A aplicação do Programa de Transição da IV Internacional e dos Primeiros Quatro Congressos da Internacional Comunista permite trabalhar com segurança e afinco pela superação da crise de direção, construindo os partidos revolucionários e reconstruindo o Partido Mundial da Revolução Socialista, a IV Internacional.