• 07 dez 2024

    Editorial: Manifestações da crise mundial

Editorial do Jornal Massas nº 729

Manifestações da crise mundial

O capitalismo em decomposição abriga em suas entranhas as tendências bélicas, as crises políticas e o agravamento da luta de classes. Nas últimas semanas, destacam-se os seguintes acontecimentos: 1) a fracassada tentativa de golpe de Estado na Coreia do Sul; 2) a retomada da guerra civil na Síria; 3) a falácia do acordo de cessar-fogo entre Israel e Líbano; 4) o agravamento dos conflitos na Geórgia; 5) a queda do primeiro Ministro da França. Nesse marco, recrudesceram as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza.

No dia 3 de dezembro, presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, decretou a lei marcial e enviou tropas do Exército para fechar a Assembleia Nacional. O partido de oposição, Partido Democrata (PD), imediatamente, convocou a população a se dirigir ao parlamento. O partido governamental, Partido Poder Popular (PPP), pelo visto, foi tomado de surpresa. Estabelecido o choque dos parlamentares e da manifestação massiva contra a lei marcial, os militares tiveram de ceder à abertura e ao funcionamento da Assembleia Nacional. Em uma rápida movimentação, aprovou-se a derrubada da lei marcial. O presidente e o general Park An-su, chefe do Estado-Maior do Exército, se viram obrigados a recuarem.

O golpe frustrou, mas não eliminou a crise política, que tende a se agravar com a posição de Yoon Suk Yeol de não renunciar ao cargo. Está posto um processo de impeachment. Chamou a atenção a forma abrupta e improvisada da decisão do presidente e da cúpula militar de fechar o parlamento e estabelecer uma ditadura civil ou militar. Segundo a declaração presidencial que ampara o decreto da lei marcial, tratava-se de “proteger a livre república da Coreia da ameaça das forças comunistas da Coreia do Norte, para erradicar as desprezíveis forças antiestatais pró-Coreia do Norte que estão pilhando a liberdade e a felicidade do nosso povo, e para proteger a ordem constitucional”. Na realidade, a tentativa de golpe não se deve ao conflito com a Coreia do Norte.

O país se encontra mergulhado nas dificuldades econômicas. Outras explicações para o golpe como a de que assumiu posições conservadoras ao extremo de abolir o Ministério de Igualdade de Gênero são secundárias. A oposição que se tornou majoritária na Assembleia Nacional vinha obstaculizando o controle orçamentário pelo Executivo. O corte de recursos atingiu a governabilidade do presidente, que foi eleito por uma pequena margem de 0,73% dos votos em uma eleição polarizada, e é rejeitado pela maioria da população.

Os capitalistas da Coreia do Sul têm sido obrigados a atacar a classe operária e os demais trabalhadores. Um sintoma de resistência foi a greve e as manifestações dos operários da Samsung em maio. A Confederação dos Sindicatos da Coreia planejava uma greve geral, quando ocorreu a tentativa de golpe. Agora, os sindicatos assumiram a bandeira de remoção de Yoon Suk Yeol. O sindicato operário, como o da Hyundai, se colocou pela greve política. São sinais de que a crise de governabilidade tende a se potenciar com os setores da classe operária caminhando no sentido de reivindicações econômicas, que certamente se chocarão com qualquer governo que substitua o atual golpista.

As tendências da luta de classes se entrelaçam com os problemas trazidos pela política norte-americana de manter a Coreia do Sul alinhada por detrás da guerra comercial com a China e da intervenção na guerra da Ucrânia.

A guerra civil na Síria reascende no momento em que fracassa a tentativa de um acordo do Líbano com Israel para cessar as hostilidades agravadas desde outubro. Enquanto persistir a ligação entre a resistência do Hezbollah libanês com a da Faixa de Gaza pelo Hamas palestino dificilmente o Estado sionista deixará de atacar em ambas as frentes de sua guerra de dominação. Os acontecimentos na Síria fazem parte da confrontação militar na Faixa de Gaza e Líbano. Está aí por que Israel atacou várias vezes alvos na Síria, sendo um deles o Consulado do Irã. Trata-se de uma intrincada relação contraditória nos marcos do Oriente Médio.

Em 2020, a Rússia e a Turquia negociaram um cessar fogo. E os Estados Unidos se acomodaram. Nesses quatro anos, as forças opositoras jihadistas contrárias ao governo de Bashar al Assad se reorganizaram depois de sofrerem duros revezes, com a desintegração da Al-Qaeda sob golpes mortais do imperialismo norte-americano, bem como a quebra do movimento Estado Islâmico. De um lado, os curdos da Força Democrática da Síria e, de outro, a organização jihadista islâmica Organização para a Libertação do Levante retomaram a guerra civil, ocupando território antes perdido para o governo Bashar al Assad. A Rússia jogou um papel decisivo na manutenção do governo sírio, em detrimento da influência dos Estados Unidos, que se aproveitaram das divisões étnicas e da guerra civil, para justificar o intervencionismo, valendo-se dos curdos. O acordo de 2020 serviu apenas para estabelecer um interregno na guerra mortífera. É bem possível que com essa retomada, nas condições de guerra na Faixa de Gaza, Líbano e Ucrânia, avancem as tendências bélicas no Oriente Médio.

As manifestações oposicionistas na ex-república soviética Geórgia contestam as eleições para o Parlamento, que deram vitória ao partido Sonho Georgiano, contrário à adesão do país à União Europeia e, portanto, à OTAN. A oposição fragmentada em vários partidos recebeu no total 37,18% dos votos. A influência do imperialismo sobre a oposição se faz por meio das ONGs. Eis por que os protestos também se voltaram contra sua regulamentação. A presidente, Salome Zurabishvili, eleita por um Colégio Eleitoral, contestou a lisura das eleições e motivou a nova onda de protestos pró-União Europeia. Junto a Ucrânia, a Geórgia se apresenta como um elo fraco do poder da Rússia restauracionista no território antes controlado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Por último, a queda do Primeiro-Ministro francês, Michel Barnier, não deve ser tomado como um acontecimento isolado. Na Alemanha, a coalizão que sustentava o governo de Olaf Scholz, do Partido SPD, se espatifou. E ocorrerão eleições antecipadas para o Parlamento em fevereiro. A questão orçamentária pesa na Alemanha tanto quanto na França. É reconhecido um franco avanço da ultradireita na União Europeia. O fato de a coligação de esquerda na França ter conseguido bons resultados eleitorais tão somente revela sua incapacidade e impotência diante do avanço da crise econômica e de responder à guerra na Ucrânia. As greves e protestos têm sido recorrentes, principalmente na França e Alemanha.

De conjunto, esses acontecimentos expõem a desintegração em marcha da ordem internacional constituída após a Segunda Guerra Mundial. Aguarda-se com expectativa o que fará Donald Trump, que tomará posse em janeiro. Os sinais mais evidentes são de que tomará medidas típicas da guerra comercial. É do interesse de uma fração do capital monopolista norte-americano concentrar forças no sentido de cercear o impulso econômico da China e exigir que rompa com a política de proteção ao seu mercado interno. É bem possível que pressione a Rússia para um acordo com a Ucrânia. O mesmo pode ocorrer em relação à guerra na Faixa de Gaza. Mas nada disso é seguro, uma vez que a crise mundial vem se desenvolvendo em um ritmo mais rápido que nas crises anteriores.

O fator que tem se distinguindo nesse terreno insólito é o da crescente necessidade e disposição de luta das massas, e, entre elas, a do proletariado fabril. É o que se tem observado em várias manifestações na Europa, Ásia e, inclusive, nos Estados Unidos. O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional vem demonstrando que objetivamente emerge das tendências desintegradoras do capitalismo o programa da revolução social. Trata-se da vanguarda com consciência de classe encarná-lo e traduzi-lo no interior das lutas, vinculando as reivindicações mais elementares à estratégia da revolução socialista.