• 10 dez 2024

    Declaração do Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI) – A queda do regime de Assad na Síria agrava a guerra no Oriente Médio

No domingo, 8 de dezembro, o regime na Síria caiu, após 53 anos de dominação. Bashar al-Assad fugiu para a Rússia. As forças armadas desmoralizadas ofereceram pouca resistência. Foi uma tomada quase pacífica do governo. O regime tinha 200.000 militares que estavam em guerra há 10 anos, enquanto os insurgentes podiam chegar a cerca de 20.000. A queda de Bashar al-Assad, nessas condições, indica que seu governo estava totalmente decomposto e desmoralizado.

A Síria desempenha um papel muito importante no Oriente Médio. Esteve governada pela minoria alauíta com apoio xiita, cristão e druso desde o golpe de Estado em 1970, em um país de maioria sunita (70%). Foi caracterizado como um governo fortemente repressivo que derrotou grupos insurgentes na guerra civil que começou em 2011 (Primavera Árabe). Estima-se que mais de 500.000 sírios morrerram e mais de 5 milhões migraram principalmente para a Turquia (3,6 milhões) e Líbano (1 milhão). Milhares estavam nos cárceres, muitos por várias décadas. Um regime apoiado sobre temíveis organismos de segurança interna, que torturou e foi denunciado por usar armas químicas contra sua população.

A Rússia e o Irã, que eram os sustentáculos fundamentais do regime, enfraqueceram seu apoio, provavelmente por causa de outras prioridades militares. O Hezbollah teve uma forte presença na Síria no passado. Teve apenas um confronto com o HTS (Hayat Tahrir al Sham – Movimento para a Libertação do Levante) no dia seguinte à intervenção insurgente em Aleppo e se retiraram. A Rússia tem um porto em Tartus que lhe permite acessar o Mediterrâneo, onde tem parte de sua marinha e uma base aérea em Khmeimim.

O ataque da oposição durou menos de duas semanas. Primeiro, dominaram Aleppo, a maior cidade, depois, Hama e Homs, seguindo em direção a Damasco. O líder da  frente HTS é Abu Muhammad al-Jolani. É oriundo de uma fortaleza que eles conseguiram manter em Idlib, onde aplicaram suas concepções islâmicas sunitas. Fizeram parte da Al Qaeda até 2016. Uma de suas primeiras medidas foi abrir as prisões. Anunciaram que pretendem um governo de unidade nacional, respeitando todas as etnias, todas as religiões. E não avançaram sobre a área costeira de presença alauíta. Conclamaram a preservação dos ativos do Estado e  instruiram Mohammad al-Bashir para organizar a transição e transferência de poder.

Biden saudou a queda de Assad como “um ato fundamental de justiça” e chamou o HTS como “rebeldes contra o regime” e, imediatamente após a queda do Assad, defendeu “que eles deveriam impedir o ressurgimento do Estado Islâmico”, consequentemente, os Estados Unidos bombardearam 75 alvos no centro da Síria, contra suas bases, seus líderes e arsenais, desde poucos dias antes da queda do governo. Os EUA mantêm bases militares,  uma no norte, em território curdo, protegendo seus interesses de petróleo e gás, e outra guarnição no sul. Os EUA mantêm sua qualificação de grupos terroristas, embora tenham apoiado o levante insurgente contra Assad até 2020. Nunca deixou de intervir na Síria.

Israel se fortalece porque corta o fornecimento de armas, munições e alimentos para o Hezbollah, tanto na Síria quanto no Líbano, e enfraquece o Irã. No dia seguinte ao “cessar-fogo” com o Líbano, bombardeou as passagens entre a Síria e o Líbano. Depois da guerra em 1973, não fazia mais incursões em território sírio e novamente o está fazendo nos dias de hoje, violando o acordo de 1974 sobre a desmilitarização da área. Deslocou unidades militares com veículos blindados e infantaria para além das Colinas de Golã, penetrando no território para estabelecer “uma zona segura”, bombardeando arsenais militares que  não querem que caiam nas mãos do HTS. Aviões de combate atacaram o aeroporto de Mezzeh, uma base aérea no sul, o quartel da Quarta Divisão e da Guarda Republicana no Monte Qasiun, bem como regimentos e brigadas do exército com depósitos de armas e munições. Áreas nas províncias do sul de Daara e Sweida foram bombardeadas. Mais de 300 ataques aéreos foram registrados. Em seguida, invadiu mais áreas no sul da Síria, uma situação que agrava a crise. As Forças de Defesa de Israel abriram fogo com artilharia “para evitar que elementos hostis se aproximem da fronteira”. Israel informou que destruiu toda a frota marítima na baía de Minet al Beida e no porto de Latakia. A queda de Assad foi a oportunidade de estender sua política genocida de esmagar os palestinos e contra a resistência do Hezbollah.

A Turquia aparece abertamente envolvida no financiamento e armamento do HTS, assim como o Qatar. A Turquia interveio desde o início da guerra civil, cruzando a fronteira para atacar os curdos das Forças Democráticas da Síria. Os curdos têm se expandido na região e a Turquia quer impedir que se fortaleçam. Esse é um importante ponto de conflito com os Estados Unidos. O governo turno se oferece para reconstruir a Síria e apoia a hipócrita “transição pacífica”. Pretende que milhões de  sírios que migraram e são um fator de crise  no seu país retornem, o que já começou a acontecer. Agora, terá melhores condições para reprimir e perseguir o povo curdo.

Uma questão a levar em conta nestes conflitos é a disputa com a OTAN sobre a rota de gás do Oriente Médio para a Europa através da Síria com gasodutos. A Síria é essencialmente um país de trânsito. O projeto do Qatar de levar seu gás natural liquefeito para a Turquia via Síria, Jordânia e Arábia Saudita foi rejeitado pela Síria. O Irã tinha um projeto semelhante, mas deixando a Turquia e o Qatar fora do negócio.

Há informação de que antes do início do ataque a Aleppo houve uma reunião de oficiais de inteligência da Turquia, Qatar, Emirados, Arábia Saudita e Estados Unidos, realizada no sul da Turquia no Centro de Comando HTS, onde concordaram com os limites de sua operação e o informaram que a Rússia não protegeria Assad.

Agrava-se o processo de balcanização da Síria, de fragmentação e de desintegração. As intervenções militares dos EUA e de Israel estão destruindo ainda mais o país, já destruíram boa parte de sua capacidade militar e disputam agora para assumir o controle e limitar ao máximo o poder do HTS, impedindo seu rearmamento e potenciação. O HTS, que liderou o confronto e formou um governo, não será capaz de garantir a paz num cenário de intensificação da intervenção imperialista na região e da ofensiva anexionista do Estado sionista de Israel. Tampouco conseguirá a unidade nacional que anunciou, e nem ocupar todo o território. A autodeterminação da Síria depende de acabar com a opressão das múltiplas nacionalidades, constituindo um Estado Federativo Socialista. Esse objetivo se estende a toda a região do Oriente Médio, como tem evidenciado a guerra de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano. Concretamente, se trata de organizar um movimento revolucionário para derrotar e expulsar o imperialismo norte-americano e aliados. É imperativo constituir uma frente única anti-imperialista, sob a direção do proletariado. Somente a revolução social pode romper a cadeia de opressão do capital imperialista e conquistar o direito à autoterminação das nações oprimidas.

A guerra iniciada em outubro de 2023 de Israel contra o povo palestino expôs as profundas contradições que vêm abalando o Oriente Médio nos marcos da decomposição do capitalismo mundial. Eis por que não haverá pacificação na Síria com a queda da ditadura de Bashar. Haja vista os ataques de Israel e dos Estados Unidos, para detruirem qualquer capacidade de resistência síria às metas anexionistas que estão na base das guerras em curso. A emancipação de todos os povos oprimidos da Síria e de toda a região só será alcançada com a criação de uma República Socialista do Oriente Médio, que garanta a autodeterminação de cada nacionalidade, expulsando o imperialismo, recuperando todos os recursos. O caminho para a revolução social está aberto, mas depende da construção das direções revolucionárias do proletariado.

Estamos vivendo uma etapa de profundas convulsões em todo o mundo como resultado da acelerada decomposição capitalista que abriga em suas entranhas as tendências bélicas, as crises políticas e o agravamento da luta de classes. Nas últimas semanas, destacam-se o fracasso da tentativa de autogolpe de Estado na Coreia do Sul; a falácia do acordo de cessar-fogo entre Israel e o Líbano; o agravamento dos conflitos na Geórgia; a queda do primeiro-ministro da França; as greves na Alemanha e a possível queda do primeiro-ministro do governo Scholz; a intensificação da guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Acontecimentos que revelam o esgotamento da ordem internacional acordada após a Segunda Guerra Mundial e a luta para impor uma nova ordem.

O fator que se distinguiu no último período é a crescente necessidade e disposição de luta das massas, e entre elas a do proletariado fabril. Isso foi observado em várias manifestações na Europa, Ásia e até nos Estados Unidos. O Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional mostrou que o programa da revolução social emerge objetivamente das tendências desintegradoras do capitalismo. Trata-se da vanguarda com consciência de classe encarná-la e traduzi-la no interior das lutas, vinculando as reivindicações mais elementares à estratégia da revolução socialista.

Que o povo sírio e as demais nacionalidades decidam sobre o novo governo!

Organizar uma frente única anti-imperialista pela autodeterminação da Síria!

Expulsar todas as forças econômicas, políticas e militares que exercem a opressão nacional!

Unir as massas exploradas da Síria com a de todos os países do Oriente Médio!

Pelo fim imediato da guerra na Faixa de Gaza e no Líbano, com a retirada das forças de ocupação israelense!

Impulsionar a luta unitária das nações oprimidas contra a dominação imperialista, sob o programa da revolução social e da estratégia dos Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio!

 

10 de dezembro de 2024