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14 fev 2025
Editorial do Jornal Massas nº 733
Um mês do governo Trump
Uma virada substancial na política externa dos Estados Unidos
Próximo a completar um mês na presidência, Trump tomou inúmeras decisões, demonstrando que as dezenas de decretos apresentadas no dia de sua posse eram para valer. Medidas de mudanças de política interna e externa estão em andamento. Surpreende a rapidez como Trump vem agindo para deixar para trás a administração dos democratas, sob a condução de Biden. O que mais tem causado assombro não são as mudanças de diretrizes internas, mas sim as externas. A fração da burguesia imperialista vinculada à orientação e determinação ditadas pelo governo dos democratas se mostra estupefata e confusa. Nesse marco, também se manifestam as frações burguesas dos países semicoloniais. A quantidade de medidas e ações lançadas pelo governo Trump, em pouco tempo, não tem como se saber, com precisão, imediatamente, até que ponto serão impostas pela força e quão amplas e profundas serão as suas consequências.
Em linhas gerais, os republicanos confluíram para o protecionismo e as exigências aos demais países para que arquem com a crise da economia norte-americana e ajudem os Estados Unidos a frearem o declínio de sua hegemonia. É o que explica a abrangência de seu plano, que vai da expatriação de milhões de imigrantes à taxação das importações; que pretende decidir diretamente sobre a guerra na Faixa de Gaza, bem como sobre a guerra na Ucrânia; que exige um novo realinhamento tanto das potências europeias quanto das semicolônias na guerra comercial com a China; que pretende expandir o controle sobre as fontes de matérias-primas estratégicas e manter os Estados Unidos na dianteira da tecnologia mais avançada; que impulsiona, de um lado, a escalada militar exortando a elevação do orçamento bélico dos países membros da OTAN, e, de outro, propõe um acordo sobre as armas nucleares.
Trump vem movimentando vigorosamente a diplomacia republicana, o poder econômico e a capacidade de ameaçar militarmente os países mais débeis que resistirem. Obrigou o Panamá a romper seu acordo com a China em torno à Nova Rota da Seda, de forma a manter o absoluto controle do Canal do Panamá. Passou a enviar os imigrantes de forma que os países têm de aceitar as condições traçadas pelos Estados Unidos. Forçou o México e o Canadá a engolirem a taxação. Retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, cortou as contribuições para a Organização Mundial da Saúde, relegou ao ostracismo o Conselho de Direitos Humanos e acabou com os recursos da instituição USAID destinados a ações norte-americanas em todo o mundo. Trump se mostra obstinado em varrer os feitos dos democratas, considerados como incapazes de reagir à altura da regressão sofrida pelos Estados Unidos e emersão da China.
A virada ultraprotecionista provocou as primeiras reações, com a China taxando alguns produtos de importação essenciais para os Estados Unidos. O México e o Canadá cederam rapidamente. O Brasil espera negociar os termos das taxações, uma vez que os Estados Unidos são superavitários. Mas está fraquejando. Trump ameaçou taxar em 100% os países que compõem o BRICS, caso insistam em substituir o dólar nas transações comerciais. A União Europeia ergueu a voz contra as medidas protecionistas.
Em meio a esses conflitos, ressalta a mudança de orientação da Casa Branca diante da guerra na Faixa de Gaza e na Ucrânia. Quanto ao primeiro caso, Trump mandou às favas a demagogia de Biden e seus aliados de concluir um acordo prevendo a formação de um pseudo Estado palestino e a reconstrução da Faixa de Gaza sob um governo da Autoridade Palestina, excluindo o Hamas. A nova orientação é a de “realocar” (expulsar) a população da Faixa de Gaza e o próprio Estados Unidos passarem a comandar o território. Esse é o conteúdo real da guerra travada pelo Estado sionista contra os palestinos, a devastação da Faixa de Gaza e a carnificina provocada pelos bombardeios. Está em curso uma nova fase de intervencionismo norte-americano no Oriente Médio, que implica estender a guerra ao Irã. Esse passo vai depender da resposta que deem as massas árabes, persas e outras nacionalidades.
Quanto ao segundo caso, Trump decidiu por cima da Ucrânia, da União Europeia e do Reino Unido abrir uma negociação com Putin. Foi também desconsiderado um plano de paz lançado pela China, em fevereiro de 2023. A conflagração completará três anos em 24 de fevereiro. A Ucrânia se encontra debilitada e incapaz de realizar uma contraofensiva. Diminuiu o perigo de a OTAN entrar diretamente em guerra contra a Rússia. O impasse expressa a derrota da Ucrânia. Os Estados Unidos e aliados europeus chegaram à conclusão de que é o momento de fazer um acordo, caso contrário, teriam de continuar com o apoio à Ucrânia, tendo claro a impossibilidade de sua vitória. Esse é, provavelmente, o diagnóstico de Trump. Os republicanos há muito resistiam ao alto financiamento da guerra despendido pelos Estados Unidos. Ocorre que Trump passou por cima dos aliados de Biden, que ficaram abismados com o anúncio da possibilidade de Trump negociar um acordo com Putin sobre a base da anexação de 20% do território ucraniano ocupados pelas forças russas. Trump pôs às claras o interesse dos Estados Unidos pelas “terras raras” da Ucrânia. Esse processo em andamento trará novas complicações das relações da União Europeia com os Estados Unidos. Já se fala que Trump está traindo a Europa.
Esses acontecimentos condensados em um curto espaço de tempo e em ritmo avassalador dão a dimensão da crise mundial e da desintegração da ordem internacional erigida após a Segunda Guerra. A via mais incisiva e abrangente assumida pelos republicanos adianta os passos que vinham sendo dados pelos democratas. Está previsto o agravamento da crise mundial. O problema está em que a resistência da classe operária e das massas em geral ainda tem sido débil. Mas a tendência é a de vir se potenciar nessa nova etapa da crise mundial do capitalismo. A clareza estratégica de como a vanguarda com consciência de classe luta e lutará contra as ações do imperialismo é a chave da questão. A dimensão das divisões e dos choques interburgueses indica que as tendências bélicas continuarão a predominar. Somente com o programa da revolução social é possível à vanguarda dar passos na superação da crise de direção.