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10 abr 2025
Editorial do jornal Massas nº 736
Tumultuada situação mundial
Decompõe-se a ordem internacional do pós-guerra
Há uma convergência sobre a avaliação, entre as forças em conflito no âmbito da situação mundial, de que a ordem global constituída no pós Segunda Guerra se esgotou e se desmorona. Os acordos de Yalta e Potsdam, de fevereiro e agosto de 1945, respectivamente, perderam completamente o seu sentido. Em seu delineamento geral, pressupunha deixar para trás os motivos que levaram às duas grandes guerras e estabelecer um curso de desenvolvimento econômico e de paz estável.
Evidentemente, esses dois pressupostos ficaram a cargo dos Estados Unidos, que se tornaram finalmente potência hegemônica. Nesse marco, a aliança imperialista estabeleceu como objetivo estratégico cercar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), econômica e militarmente, de forma a preparar a sua derrocada. Embora a URSS tivesse saído fortalecida após a guerra, contando com a inclusão do Leste Europeu como aliado, a supremacia do imperialismo nas novas condições de partilha do mundo se impunha. A sustentação da URSS dependia, portanto, do avanço das revoluções proletárias e da afirmação do internacionalismo socialista. A orientação do regime de Stalin caminhou no sentido de se ajustar à paz ditada pelos Estados Unidos, contribuindo com a partilha do mundo e com a maior sujeição das nações oprimidas ao capital internacional.
A reconstituição econômica da Europa e as derrotas da classe operária no velho Continente permitiriam aos Estados Unidos desenvolverem a Guerra Fria e aumentarem os poderes da OTAN como um braço armado do imperialismo norte-americano. A Revolução Chinesa de 1949 abriu o caminho para reagir à nova ordem contrarrevolucionária ditada em Yalta e Potsdam. Logo se impôs a camisa de força do acordo de Stalin com os aliados vencedores da guerra contra a Alemanha. A ruptura sino-soviética já na década de 1950 favoreceu as forças norte-americana e europeia no sentido de sufocar e liquidar a URSS. A sua derrocada final em dezembro de 1991 consistiu na maior vitória do imperialismo do pós-guerra. Nesse mesmo sentido, o Partido Comunista Chinês decidiu iniciar um processo de restauração capitalista.
Os elos da cadeia do imperialismo que foram rompidos pelas revoluções proletárias se reconstituíram com as contrarrevoluções restauracionistas. E o impulso da transição do capitalismo ao socialismo se arrefeceu e se interrompeu. Cumpria-se a estratégia dos Estados Unidos demarcada já na paz de Yalta e Potsdam. Isso quando o capitalismo mundial mergulhava em novo período de crise.
Em 2008, os Estados Unidos se tornavam o epicentro da quebra econômica e indicavam o declínio de sua hegemonia. A China restauracionista se erguia como potência econômica e fator de grande peso nas entranhas do esgotamento da ordem mundial. A guerra comercial traçada pelo governo Trump em seu primeiro mandato apontou a China como a grande concorrente. O recrudescimento das disputas comerciais, áreas de influência e controle de fontes de matérias-primas passou a refletir a decomposição da ordem do pós-guerra. As intervenções militares dos Estados Unidos no Oriente Médio, Ásia e África, sintomaticamente, indicaram o caminho que tomaria a crise mundial em desenvolvimento.
A guerra na Ucrânia ergueria um novo marco dos choques bélicos e da escalada militar. Os Estados Unidos, sob o governo de Biden, e aliados europeus empurrariam a Ucrânia contra a Rússia ao colocar sua inclusão na União Europeia e na OTAN. Agora, diante da vitoriosa posição da Rússia, Trump reorienta a diretriz dos Estados Unidos no sentido de impor uma paz que pressupõe a partilha e o saque da Ucrânia. Trata-se de uma ação composta e coordenada por um conjunto de medidas. No Oriente Médio, o republicano usou o fraudulento acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza para justificar o intervencionismo colonialista do Estado de Israel e potenciar o avanço da anexação do território palestino. Essas duas guerras de dominação são tomadas como meio para a apresentação e consecução do plano mais geral que pretende recuperar a hegemonia dos Estados Unidos alcançada no pós-guerra.
A pretensão de anexar a Groenlândia dá a dimensão da necessidade do imperialismo norte-americano reagir ao esgotamento da partilha do mundo realizada em Yalta e Potsdam. Implica uma ruptura com a Dinamarca e, portanto, com a União Europeia. Esse objetivo explícito e a visita do vice-presidente JD Vance à Base Espacial de Pituffik, na Groenlândia, causaram tumulto na situação mundial. A Rússia e a China ficaram tão alarmadas quanto as potências europeias. Isso porque reconheceram que Trump não está fazendo jogo retórico. Trata-se de uma estratégia que tem por orientação controlar fontes de matérias-primas. É o que também Trump pretende com o acordo de paz na guerra da Ucrânia e da Faixa de Gaza.
Na Europa, a França e Inglaterra lideram o movimento de “rearmamento”. A Alemanha aprovou um orçamento militar que rompe com pressupostos pacifistas do pós-guerra. A ideia do presidente Macron da França e do 1º Ministro Andrew Bonar Law da Inglaterra, é a de enviar tropas à Ucrânia em nome da segurança europeia e da garantia de que a Rússia não romperia o acordo de paz. As articulações de parte da União Europeia exigindo a participação nas negociatas contestam a orientação de Trump.
A ruptura que vem se processando entre os Estados Unidos e Europa é mais um reflexo significativo da decomposição da ordem mundial. A guerra comercial que se generalizou com a imposição de tarifas até mesmo com os mais fieis aliados da potência norte-americana ampliou os ecos dos tumultos da situação mundial.
Há que se considerar ainda as múltiplas crises políticas que eclodem quase que simultaneamente em vários países. No momento, se destacam as manifestações populares contra o governo de Erdogan na Turquia. O crescimento da instabilidade política perpassa não só os Estados Unidos como a Europa, América Latina e África.
Nas hostes da burguesia, fala-se sobre uma suposta nova ordem mundial que estaria a caminho. Dar curso a esse processo, é imperativo para a cooperação e a paz entre as nações. Entre os protagonistas desse pressuposto, se encontra a China, que se acha premida pela guerra comercial e escalada militar das potências. O fato é que a velha ordem de Yalta e Potsdam se desmorona e não se desponta nenhuma ordem que possa substituí-la pela via do ajuste das relações capitalistas de produção e interdependência entre os interesses dos monopólios. A superposição das tendências bélicas sobre as relações econômicas e diplomáticas vem tomando forma em ritmo acelerado.
Uma nova ordem nascerá da luta de classes do proletariado contra a burguesia e, portanto, do desencadeamento da revolução social. Caso contrário, a barbárie avançará. Objetivamente, é o que expõe os tumultos da situação mundial. O problema é de ordem histórica. A classe operária sofreu profundas derrotas, sendo a mais importante a liquidação da URSS. Com o seu desmoronamento, o regime estalinista destruiu o sistema soviético, a economia estatizada e planificada, bem como o monopólio do comércio exterior. A liquidação da Terceira Internacional pela burocracia estalinista em 1943 favoreceu terminantemente o imperialismo. Fez parte dessas ações contrarrevolucionárias o assassinato de militantes da Oposição de Esquerda e a perseguição policial ao movimento de constituição da IV Internacional.
É preciso recorrer a esse balanço histórico da liquidação da URSS para compreender o atual momento de derrocada da velha ordem e erguer o programa revolucionário que permitirá ao proletariado encarnar a nova ordem de transição do capitalismo ao socialismo. A tarefa de reconstruir o Partido Mundial da Revolução Socialista está determinada pelo trabalho da vanguarda marxista-leninista-trotskista de lutar com o programa da revolução social e desenvolver no seio do proletariado o partido revolucionário.
O Comitê de Enlace pela Reconstrução da IV Internacional (CERQUI), ainda embrionário, vem se esforçando por responder à decomposição do capitalismo, que adentrou na fase de superposição das tendências bélicas às relações econômicas e diplomáticas estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial.